9 de outubro de 2010

Contradições ao Vento

          É quase estranho de se pensar a quantidade imensa de pessoas que publicam poesia pela Internet. Na minha humilde opinião, é raro encontrar, porém, textos de qualidade. Muitos são desabafos colocados sob a forma de verso (e alguns sequer chegam a isso). Às vezes, porém, encontramos diamantes em grãos de areia...
          O poema a seguir é de Marcus Vinícius, autor jovem nos anos e experiente em cultura. Em seu blog, Falses Pretenses (o qual também pertence a Weslley), publica seus textos, além de artigos sobre literatura, música, cinema etc. Vale a pena conferir.
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Penso que sou o eleito
O que mesmo tão jovem
Tudo sabe sobre o mundo e a vida
E que por desfecho deste paradoxo
Nada sabe sobre a vida de si mesmo

Eu sei, quanta pretensão a minha
Mas deixe-me ao meu ego ferido ofertá-la
Que por muitas donzelas passei despercebido
E por rapazes mil vezes mais fui tentado

Veja só, quanta vergonha a minha
Por mais que eu fale de amor
(e falo)
Mais o meu lábio continua seco e sem prestígio

Esta trova, meu senhor, de escárnio ou maldizer
(como queiras)
É senão a mim mesmo
A este chacal, praga chorosa e grosseira
Que tanto do gosto das gazelas fala
Que o mesmo tanto sequer chegou a avistar

É certo que assim foram-se muitos românticos
Byron, Florbela, Cruz e Souza
Álvares de Azevedo
Tanto amor a ser declamado e aplaudido
- Nenhum amor vivo - só morto - a ser vivido
Maior inflama o amor
(dizem)
Quando envolto em névoa e bruma

E em tudo em mim assim se faz:
- Claro!
Mas claro que é escuso

O que me resta então?
Cultivarei o meu remorso pelo irrealizado
Anseiarei o teu retorno impossível
E assim estarei iludido
Porém feliz com minhas tristezas



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Escrito por Marcus Vinícius, em 31/07/10, às 2:44h AM.

4 de outubro de 2010

O Lorde de Shalott

 I

Sob límpido céu, tranquilo
Um jovem admira o amanhecer
Vê as aves, aprecia o orvalho
Enquanto se deleita em tecer
De puro ouro, belos versos
E assiste a um diverso mundo
Pelos reflexos de seu espelho
Vê as cores, inveja as flores
Da distante ilha de Shalott

Decide o jovem enfim partir
E alcançar as pétalas, perfume
Ouvir a bruma, sentir o vento
E de tudo extrair, tal ourives
Perfeitos e intensos versos
Levanta-se, e canta, e anda
Toca o espelho e seus reflexos
Névoa, vida – ardente vida!
Rumo à tão sonhada Shalott

Em novo mundo, novos ares
Todos veem o peregrino
Sem guia, não entende ele
Os minutos que teimam, ferozes
A bater e moldar versos
Um pequeno relógio, compassivo
Lhe aperta as mãos e o leva
Adiante na alegre jornada
À encantada Shalott

Apresentado a seus pares
Anda o jovem temeroso
Um pálido curinga doente
Um notável mágico sonhador
A lhe ditar cronometrados versos
‘Talvez melhor meu Espelho
E os reflexos turvos da minha,
Da sempre distante Shalott’

No brilho forte do meio-dia
Ao longe cintilou a ilha
Pétalas ao sol, mil cores
O jovem, com seus guias,
Jubilou intrincados versos
De cima a baixo, milhares,
Estilhaços e pequenos cacos
Do espelho já abandonado
Trocado pela esperada Shalott

Pesado, no jardim o peregrino
Sozinho, sem mais guias
Ouviu,  ‘meu Relógio parou!’
Sem lágrimas: mais à frente
Puríssimos, requintados versos!
E pelo caminho, pela relva,
O jovem se proclamou senhor
Honrou os céus, curvou-se à terra
À sua ilha de Shalott!



II

Livre! Em meu Jardim
Agora posso dançar à tempestade
Entre lobos, pássaros e árvores
Posso eu alimentar minha orquídea!

Mas espera! Não a és?
Não tens suas cores, seu perfume
Mas és orquídea! Como podem
Te encantar outros perfumes?

Ah eras perfeita, perfeita!
Cálidos olhos, gélidos dedos...
Minha Cristine, já não és
A máscara que eu uso
Agora eu me farei ouvir!

Ora, é um Jardim!
Há mais e mais flores!
Lá vem uma pequena tulipa
Vê! Feito rosa se veste
Lançando a todos suas raízes!

Vem, me abraça, falsa rosa!
Que tua miséria precisa, por ora,
Da minha paciente companhia
Destila teus problemas, ouvirei.

Mas sabes, minha companhia
Precisa de muito, muito mais
Do que tua fraqueza é capaz
Mais do que tu, sou legítimo Bovary!

Então me abraça, toma meu corpo,
Devora-me feito caça!
Mas suplico, não me toques
Com o sincero olhar do interesse

E quantas mais, ainda mais?
Não foi primeira, nem última
A noite sem resposta
Onde estará o tal reflexo?

E agora essa: uma rosa negra!
Vestes o luto, a noite, o infinito
Mas te prendes a ínfimos dedos
Que mal suportam teu peso!

E então, até um cravo!
Ah, que nem tem perfume...
Basta! Sem mais pétalas,
Pois eu estou meio cansado de flores

Sem liberdade, mas sem companhia
E no centro de doentio Jardim
Para trás, apenas sombra
Estilhaços de um Espelho
Cinzas de um Relógio
Lágrima, sonho, demência,
Sou eu aquele que anda?



III

Ao cair da tarde, vermelha,
Tocou o sol altivas árvores
O vento balançou os lírios
Que admiravam, pasmados,
O nascimento de estranhos versos
Pois do jardim enfim saía,
Mãos vazias, o peregrino
Quase esquecido, partia
De sua amada Shalott

Os céus se abriram, ferozes,
E furiosa tempestade despertou
Como há muito não se via
E há muito esperada
Para sorver audazes versos
Tal colar, um rio se formou
Em volta da ilha florida
E o jovem apanhou seu barco
Partindo, só, de sua Shalott

Para trás olhou, sublime
A tempestade obliterava
Feito fogo todas as cinzas
E cacos, mesmo pétalas
Extirpava tais falsos versos
Às nuvens orou, sem fé
Com o bem-estar da leveza
Uma canção jamais ouvida
Mesmo nas noites de Shalott

Sem caminhos ou horizontes
Apenas a forte correnteza,
A incessante tormenta; em paz
O jovem dormiu, tranquilo
Do vento ouvindo versos
Tombaram árvores,
Perderam-se os lobos,
Fugiram os pássaros.
Em ruínas a lendária Shalott

E no barco navegava
O peregrino adormecido
Pois a noite lenta andava
Enquanto sem sonhos descansava
Alguém farto d’outros versos
Uma trégua, e os céus deixaram
O luar tocar as faces
Silente príncipe, curado
Da hipnose por Shalott

Ao longe, o primeiro raiar
De um amanhecer renovado
Despertou o jovem em seu barco
Saboreou seu renascimento
Em sinceros, profundos versos
E se despediu, saudoso
De sua antiga jornada
Senhor de seu novo mundo
Ele, o Lorde de Shalott



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Escrito no Jardim em 03/10/2010, às 6:00 a.m.

Ouvindo:
The Lady of Shalott - Loreena McKennitt
Misery Loves Company - Emilie Autumn


Imagem: The Lady of Shalott  on boat,
de John William Waterhouse, 1888