12 de maio de 2010

Lucidez...


          A cada momento eu me sinto mais lúcido. E não, eu não falo de hoje e das conseqüências de ontem. A vida parece caminhar cada vez mais atenta, com os olhos e ouvidos bem despertos para qualquer possível incoerência. O caminho, porém, também tem seus caprichos; parece rumar cada vez mais negligente, mais falho, com uma extrema e precisa falta de reciprocidade enviada a mim, a mim como um presente. Um presente? Não, talvez aqui eu me engane – e agora sim falo de hoje e ontem.
          Não tenho a audácia, a arrogância de raciocinar se essa lucidez é boa ou má. Não, isso eu deixo para outros, até porque há tantos que sentem verdadeira paixão por raciocinar, argumentar e – mais freqüentemente – fofocar a respeito das escolhas que eu abraço: então por que perder eu mesmo tempo com essa questão? E eu seria um niilista, um parvo idiota, um bookworm (o ontem ecoa novamente!) apenas por dizer isso? Não, acho até mesmo isso perda de tempo. A beleza de um niilista é tão puramente pequena que eu prefiro desviar o olhar para as estrelas quando um deles resolve enumerar o quanto ignorou os padrões, ‘provando para todo mundo que não precisa provar nada pra ninguém’, eu apenas olho para as estrelas e meus ouvidos tentam absorver apenas o que vem delas – elas sempre têm algo melhor para dizer.
          É claro que não é uma dádiva exatamente estar cada vez mais lúcido. Hábitos antigos, antigas roupas que eu vestia e me caíam tão bem, um ajuste tão perfeito, acabam virando relíquias, pequenos volumes numa memória por demais fragmentada. Essas mesmas roupas que eu vestia sempre, que me isolavam de uma maneira deliciosamente hermética, esses hábitos que me faziam único para mim mesmo, agora me olham incomodadas quando resolvo abrir o meu baú de memórias, incomodadas talvez com a luz que cega seus olhos e mostra as teias que já formam uma nova camada de cor. Na verdade, talvez apenas uma roupa ainda aceite ser incomodada, e esta é relativamente nova, ainda não me conhece muito bem (e eu mesmo ainda a estranho). Não que eu me importe de usar a mesma sempre, mas temo pelo momento em que ela vir minha verdadeira face – que clichê mais detestável! – e então eu tenha que andar nu.
          Apenas uma questão me aflige quanto à lucidez. Não é o fato da mudança, nem a beleza dessa lucidez, nem mesmo a vontade crescente de rever Sodoma e virar uma coluna de sal. Nada disso me aflige de fato. Um niilista, apenas, se preocuparia com isso – pois afinal são eles os que mais avaliam tudo como bom ou mau –, e eu rio do niilismo. Não, o que mais me preocupa em enxergar e ouvir cada vez mais, o que me desvia a atenção enquanto me divirto com alguém interessante – interessante, aliás, demais para não receber minha atenção –, o pensamento que se deita ao meu lado sussurrante, é se toda essa clareza, essa visão, essa audição – essa lucidez – é realmente necessária.


Escrito no Jardim, em 08/05/2010.

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