6 de fevereiro de 2011

Noturno no. 1

 Como fosse dia
Abri porta e janela
Saboreei o vento
Sentei-me ao piano
E me despi das máscaras

Um Adagio, Largo
Até um Moderato
Em pianíssimos sabores
Teci a teia do tédio

E como fosse fraco
Privei-me de orgulhos
O que um fantasma diria?
Eu arranquei minhas raízes

Diatônicas lembranças perfeitas
Realidade atonal, cinza
Dissonantes me alimentam
A torpe harmonia do cotidiano

Como fosse cego
Falhei notas e trinados
Deixei nuances por fazer
Paixões a declarar

No enlevo dos graves
Ou na doçura dos agudos
Permaneci quieto
Meus dedos falavam

Cansavam-me as cadências
Previsíveis palavras, visíveis ambições
Tive asco das tônicas
Dominantes que nada valiam

E como fosse jovem
Permiti-me errar
Troquei escalas inteiras
Corações valiosos
Troquei por meros comuns

Modulei sétimas, nonas
Simples diminutas fiz
E corri, um Presto terrível
Aos graves desabei
Tentei dormir novamente

Mas era noite
Um tolo tentando renascer
Na mais silente melodia
Parou
Na vacilante fermata
Parou o tempo, sem mais notas

Como não houvesse motivo
De continuar, calei os dedos
Sem janelas nem portas
Como fosse só, adormeci

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Escrito no Circo, em 03/02/2011, à 01:40h.

Ouvindo Adagio Sustenuto da Sonata ao Luar,
de L. van Beethoven

Um comentário:

  1. Forçado, você me disse. Saiu com alguma relutância, eu diria, pois jamais contemplei tamanho sentimento em suas rimas. Me emocionei de verdade.

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