27 de março de 2010

O Chá


E se pudéssemos parar?
E o mundo, como um fragmento
De sonho, se perderia
Em desnudadas fantasias

E se eu pudesse alcançar
A porta dourada, e abrir
Para uma furiosa ventania
Os tais embotados pulmões?

E se pudéssemos ver
Além das cinzas e das muralhas
Os tais verdes campos, e o orvalho
A beijar nossas cicatrizes?

E se tirássemos de ti
Todos os pequeníssimos clamores?
E a vida, em estilhaços
De ilusões, partir-se-ia

E se pudéssemos andar
Tão-só acima do rápido e sensato?
E a noite, com suas crias
Daria um banquete de Utopias

Ah, que o chá enfim terminou
E sozinha, na mesa, a criança
Ergue a xícara, turva lembrança
De um sonho do qual não bebeu

O largo sorriso, ela espera
Que surja do deserto das árvores
E as tais negras asas encubram
Um rosto que empalideceu

E o julgamento, perdido!
Ela encara o processo infindável
Do não-ser, vazio indecifrável
Ah, que o chá enfim terminou

E se pudéssemos te ouvir?
Os olhos, acinzentados
Que te vêem, não te enxergam
A ordem dissolveu suas cores

E se eu pudesse sorver
Da pequena garrafa um único gole?
Na dança-corrida tomar parte
Entre doces perfumes de eternidade

E se pudéssemos tomar
Das mãos do Ter o cetro?
E os pés, em anistia
Refariam os teus caminhos

E se pudéssemos quebrar
A tão-bela lógica do correto?
E de um novo chá, sem grilhões
Pudéssemos enfim tomar?

E se, de tudo, restasse o sonho
Que ninguém jamais sonhou?
À noite, Alice, eu cantaria
Tua sanguínea sonata eternal.

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Escrito em 13/03/2010.
"escrito parcialmente entre cinzas"

Dedicado a alguém que soube e pôde me ouvir,
mesmo no mais completo barulho,
e que aceitou ler, mesmo no mais completo caos.
A Marcelo Campos.


Imagem retirada do filme Alice in Wonderland, de Tim Burton.

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