O Circo
Venha ver, venha ouvir
O mais ínfimo espetáculo da Terra!
Pois nós cavalgamos e trotamos
E roçamos a lama com cascos de feltro
Temos muito, tivemos muito
Mas há ainda mais e mais
Porque ah queremos mais e mais
Até termos o que não se vende
Vendemos aqui, bem aqui
O nosso toque, nossas mãos
É um bom preço afinal
Saltarmos juntos na tempestade uma vez mais
E queremos seu toque também
Ora e por que não quereríamos?
Cada um de nós quer sua parte
Nessa troca simples e pueril
Uma tristeza, uma raiva e mil risos
Que a dor pesa na balança
Que a lágrima é inestimável
E o não-feito é feito de ouro
Pois se foi perfeito o espetáculo
Por que desejaríamos voltar?
Queremos acordar, então venha
Que o vazio aplauso já vai terminar
Escrito no Jardim, em 08/01/2010.
Ouvindo Scarborough Fair, Leaves Eyes.
__________________________________________________
Doença
Estou doente
Pois meus braços doem
E meus olhos cegos
Não enxergam mais luz
Estou fraco
Pois diante do mundo
Diante de ungeziefer* vários
Eu me destroço abaixo de cascos
De intermináveis cavalarias
E a doença, ah quão bela!
A musa de mais outros doentes
Imortais cegos, surdos e aleijados
Pelo noir cálido e pungente
Que se assoma e multiplica
E a fraqueza, maldita
Que me apanha e dilacera
Ri, como um palhaço ostentoso
Sem brilho, sem humor
Eu caí
Tropecei nas garras agudas
Da harpia, escárnio da desgraça
E recebi o veredicto
Estou preso
Dedos livres, pés e mãos
Olhos livres, ouço e grito
Estou preso
Eu ouço
O hino das máscaras
A máscara das mil cores
A cor escarrada do rancor
E a dor amadurecida
Como o fruto do Éden
A dançar e levantar a cobiça
Estou doente
Do meu peito nasceu
Um pássaro que não voou
* ungeziefer: "inseto daninho", termo usado em A Metamorfose por Franz Kafka, para descrever o personagem Gregor Samsa.
Escrito no Jardim, em 12/01/2010.
Ouvindo Sonata ao Luar, de L. v. Beethoven.
__________________________________________________
Última Nota
E então foi assim
Depois de ventanias e temporais
Árvores ao chão, terra e ar
Mais uma vez enfrentou ele o Fim
Ele cogitou guardar uma parte
Numa caixinha de música
Mas suas mãos agressivas
Quebraram a delicada cadência
E ele assim olhou em volta
E viu cem mil outras flores
A perder de vista, perfumes
E o desinteresse fez seu abraço
E foi assim, depois
Perdeu-se o brilho
Perdeu-se o perfume
Face a face, a criança e a traquina
O joguete a enlaçar o jogador
Agora anda, sem pai
E canta, até dança enfim
Afinal, não está livre?
Livre em sua interna colônia penal
E não tem agora ele o mundo?
Pois não pode novamente respirar
E almejar suas próprias ilusões?
Ele agora apenas observa
As cem mil multicoloridas
Por que tocá-las?
Ele agora apenas admira
Como o Jardim de suas noites
É e sempre foi metamorfose
Retorce, e malha, e esculpe
O caminho etéreo que percorreu
Pois ele é enfim o mesmo
Mas finalmente precisa apenas de si
Escrito no Jardim, em 13/01/2010.
Ouvindo Sonata ao Luar, L. v. Beethoven.
__________________________________________________
Epílogo
E eis, que o poeta anda sozinho
Entre flores, por entre o Jardim
Apanha algumas, delicia-se com perfumes
E arranca várias
É fato, que ele largou uma
Novamente, como seu vil costume,
Na estrada, a partilhar da terra
Sem da Terra tirar sustento
E olha, que o poeta anda nu
Sereno, ele se despoja dos trajes
De quaisquer máscaras, – pétalas!
Ah que ele não precisa de pétalas!
É ódio, é dor, é dormência?
Diversão, tédio, clemência?
Repara, pois ele apanha mais outra
E a flor cresce, e a raiz cresce
Braços envoltos, sem ar
Repara! – ele ri!
Pois a flor se lhe arranca
Sangue, dor, ou mesmo tempo,
Não está a lhe sangrar o peito
Mas a lhe divertir – tanto!
Eis, que o poeta se delicia na dor!
Mas espera, que há diversão maior!
Pois quando a flor é mais bela,
E suas pétalas refulgem ao sol,
Acaba o sangue, dor e até o tempo
E aquela jactante flor – agora póstuma! –
Cai ante a estrada
Pois eis, que o poeta sempre anda
Entre flores, por entre jardins
Alimenta algumas, pisoteia várias
E sempre anda o poeta – sozinho.
Escrito no Jardim, em 14/02/2010.
Imagens por Victoria Francés.
Venha ver, venha ouvir
O mais ínfimo espetáculo da Terra!
Pois nós cavalgamos e trotamos
E roçamos a lama com cascos de feltro
Temos muito, tivemos muito
Mas há ainda mais e mais
Porque ah queremos mais e mais
Até termos o que não se vende
Vendemos aqui, bem aqui
O nosso toque, nossas mãos
É um bom preço afinal
Saltarmos juntos na tempestade uma vez mais
E queremos seu toque também
Ora e por que não quereríamos?
Cada um de nós quer sua parte
Nessa troca simples e pueril
Uma tristeza, uma raiva e mil risos
Que a dor pesa na balança
Que a lágrima é inestimável
E o não-feito é feito de ouro
Pois se foi perfeito o espetáculo
Por que desejaríamos voltar?
Queremos acordar, então venha
Que o vazio aplauso já vai terminar
Escrito no Jardim, em 08/01/2010.
Ouvindo Scarborough Fair, Leaves Eyes.
__________________________________________________
Doença
Estou doente
Pois meus braços doem
E meus olhos cegos
Não enxergam mais luz
Estou fraco
Pois diante do mundo
Diante de ungeziefer* vários
Eu me destroço abaixo de cascos
De intermináveis cavalarias
E a doença, ah quão bela!
A musa de mais outros doentes
Imortais cegos, surdos e aleijados
Pelo noir cálido e pungente
Que se assoma e multiplica
E a fraqueza, maldita
Que me apanha e dilacera
Ri, como um palhaço ostentoso
Sem brilho, sem humor
Eu caí
Tropecei nas garras agudas
Da harpia, escárnio da desgraça
E recebi o veredicto
Estou preso
Dedos livres, pés e mãos
Olhos livres, ouço e grito
Estou preso
Eu ouço
O hino das máscaras
A máscara das mil cores
A cor escarrada do rancor
E a dor amadurecida
Como o fruto do Éden
A dançar e levantar a cobiça
Estou doente
Do meu peito nasceu
Um pássaro que não voou
* ungeziefer: "inseto daninho", termo usado em A Metamorfose por Franz Kafka, para descrever o personagem Gregor Samsa.
Escrito no Jardim, em 12/01/2010.
Ouvindo Sonata ao Luar, de L. v. Beethoven.
__________________________________________________
Última Nota
E então foi assim
Depois de ventanias e temporais
Árvores ao chão, terra e ar
Mais uma vez enfrentou ele o Fim
Ele cogitou guardar uma parte
Numa caixinha de música
Mas suas mãos agressivas
Quebraram a delicada cadência
E ele assim olhou em volta
E viu cem mil outras flores
A perder de vista, perfumes
E o desinteresse fez seu abraço
E foi assim, depois
Perdeu-se o brilho
Perdeu-se o perfume
Face a face, a criança e a traquina
O joguete a enlaçar o jogador
Agora anda, sem pai
E canta, até dança enfim
Afinal, não está livre?
Livre em sua interna colônia penal
E não tem agora ele o mundo?
Pois não pode novamente respirar
E almejar suas próprias ilusões?
Ele agora apenas observa
As cem mil multicoloridas
Por que tocá-las?
Ele agora apenas admira
Como o Jardim de suas noites
É e sempre foi metamorfose
Retorce, e malha, e esculpe
O caminho etéreo que percorreu
Pois ele é enfim o mesmo
Mas finalmente precisa apenas de si
Escrito no Jardim, em 13/01/2010.
Ouvindo Sonata ao Luar, L. v. Beethoven.
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Epílogo
E eis, que o poeta anda sozinho
Entre flores, por entre o Jardim
Apanha algumas, delicia-se com perfumes
E arranca várias
É fato, que ele largou uma
Novamente, como seu vil costume,
Na estrada, a partilhar da terra
Sem da Terra tirar sustento
E olha, que o poeta anda nu
Sereno, ele se despoja dos trajes
De quaisquer máscaras, – pétalas!
Ah que ele não precisa de pétalas!
É ódio, é dor, é dormência?
Diversão, tédio, clemência?
Repara, pois ele apanha mais outra
E a flor cresce, e a raiz cresce
Braços envoltos, sem ar
Repara! – ele ri!
Pois a flor se lhe arranca
Sangue, dor, ou mesmo tempo,
Não está a lhe sangrar o peito
Mas a lhe divertir – tanto!
Eis, que o poeta se delicia na dor!
Mas espera, que há diversão maior!
Pois quando a flor é mais bela,
E suas pétalas refulgem ao sol,
Acaba o sangue, dor e até o tempo
E aquela jactante flor – agora póstuma! –
Cai ante a estrada
Pois eis, que o poeta sempre anda
Entre flores, por entre jardins
Alimenta algumas, pisoteia várias
E sempre anda o poeta – sozinho.
Escrito no Jardim, em 14/02/2010.
Imagens por Victoria Francés.
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