28 de fevereiro de 2010

9 - A Salvação

E se você acordasse em meio a folhas rabiscadas, móveis caídos, poeira, e dezenas de outras coisas jogadas, e olhasse pela janela e visse centenas de metros - quilômetros - de desolação? Bem, esse é o desafio do protagonista de 9 - A Salvação, lançado em setembro de 2009 (aliás, em 09/09/09) pela Focus Features. O personagem vê carros batidos, muros destruídos, pixações e outras marcas de alguma revolução recente, em uma atmosfera de cores vazias. Vê pessoas - algumas - aos cantos, e vê que ele mesmo, enfim, não passa de um boneco. E não fala!

9 - A Salvação é um longa metragem com produção de Jim Lemley, Timur Bekmambetov e......... Tim Burton! Isso mesmo, o Sr. Burton faz parte da produção deste filme, porém a ideia original da história não vem dele, afinal. Baseado em curta metragem (intitulado somente "9") criado por Shane Acker como trabalho de graduação, o filme teve o apoio de Burton para que fosse iniciado, mas toda a concepção inicial e, por fim, a direção, é de Shane Acker.
Mas, como fazer um curta é muito diferente de fazer um longa, Acker contou para o novo roteiro com a ajuda de Pamela Pettler, que já havia trabalhado com Burton no script de A Noiva Cadáver. Toda a atmosfera pós-apocalíptica presente no curta foi aumentada exponencialmente, em cenários magníficos, com cores quentes e acinzentadas e um detalhismo que imergem o expectador em um sentimento de silêncio.
Aliás, falando de silêncio, o filme tem poucas falas (um triunfo para a expressão!), o que é raro em animações por computação gráfica, devido à dificuldade de transmitir na CG expressões sutis dos personagens. Os primeiros 10 ou 15 minutos do filme não têm diálogos, e mesmo durante o desenrolar da história quem assiste não é banhado com uma enxurrada de falas desnecessárias. Aliás, com uma história marcante, por que as falas?

O protagonista - de nome 9! - encontra outros como ele, também bonecos, e consegue falar por meio de um "conserto" feito pelo boneco 2. Aos poucos ele percebe onde está: um mundo destruído por máquinas. Ok, lugar comum, Matrix e Exterminador ecoam na cabeça nessa hora, mas o que há de interessante neste filme em particular é a falta de esperança. Não há tendências visionárias de tentar restaurar a Terra, de trazer a humanidade à sua glória (?!) passada, há simplesmente o sentimento de que o erro foi cometido, e nada mais pode ser feito. E aí, o filme acaba aí?

Bom, isso talvez você queira descobrir por assistir o filme! Ou você achou que eu ia revelar o final???

Opinião!
O filme conta com cenas de ação boas, mas nitidamente não se prende a isso. Não é, nesse ponto, como Exterminador do Futuro, Matrix ou outros do gênero pós-apocalíptico, que se perdem em meio a tiros, saltos estratosféricos etc. Há também suspense, mas novamente esse não é o maior foco, ou se é não segue pelo caminho comum. Uma das melhores cenas é quando os personagens acham que resolveram um problema, e tudo, inclusive a música, faz você acreditar nisso, e então surge um problema maior. Até aí, normal. A questão é que a música continua otimista, continua alegre, então a sensação clara que se tem é que só você percebeu que há algo errado!

A história, como já foi dito, passa por lugares comuns, como a destruição por máquinas, mas vence no sentido de não forçar um final feliz. Além disso, há alusões - diretíssimas - a governos extremistas, como o fascismo e o nazismo, com seu patriotismo exacerbado, capaz de tudo pelo "bem geral da nação". Inclusive as cores do regime mostrado remetem a Mussolini e Stalin, e as roupas a Hitler.

A iluminação também é incomum. Lembra bastante a dos film noir da década de 50 e 60, com contrastes fortes e muitas sombras. Por fim, o cenário, todo visto como de uma lupa (já que os bonecos são pouco maiores que uma mão), lembra muito a Europa do pós-guerra.

Enfim, sem querer ser repetitivo, mas já sendo, o maior trunfo de 9 - A Salvação é a ausência de um final feliz (pelo menos os habituais hollywoodianos), presente tanto no curta metragem como no longa.

O Curta
Abaixo você confere o curta 9, que deu origem ao filme:



E também o trailer do longa:




Fonte: Omelete e extras do filme.

27 de fevereiro de 2010

A Morte Amorosa


La morte amoureuse (1836) - Théophile Gautier

Você me pergunta, irmão, se amei; sim. É uma história singular e terrível, e embora eu tenha sessenta e seis anos, mal me atrevo a remexer as cinzas dessa lembrança. Não quero lhe recusar nada, mas não faria um relato desses a uma alma menos sofrida. São fatos tão estranhos que não consigo acreditar que tenham me acontecido. Durante mais de três anos fui o joguete de uma ilusão singular e diabólica. Eu, pobre pároco de aldeia, levei em sonho todas as noites (queira Deus que seja um sonho!) uma vida de alma danada, uma vida de mundano e de Sardanapalo. Um só olhar cheio de condescendência lançado para uma mulher por pouco não causou a perda de minha alma; mas, afinal, com a ajuda de Deus e de meu santo padroeiro, consegui expulsar o espírito maligno que se apoderara de mim.

Minha existência tinha se enredado nessa existência noturna totalmente diferente. De dia, eu era um padre do Senhor, casto, ocupado com as preces e as coisas santas; de noite, mal fechava os olhos, tornava-me um jovem nobre, fino conhecedor de mulheres, cães e cavalos, jogando dados, bebendo e blasfemando; e quando, no raiar da aurora, eu despertava, parecia-me que, inversamente, eu adormecia e sonhava que era padre. Dessa vida sonâmbula restaram-me lembranças de objetos e palavras contra as quais não consigo me defender, e, embora nunca tenha ido além dos muros de meu presbitério, quem me ouvisse diria que eu era um homem que provou de tudo e deu as costas para o mundo, entrou para a religião e quer terminar no seio de Deus, enterrando os dias agitados demais, e não um humilde seminarista que envelheceu numa paróquia ignorada, no fundo de um bosque e sem nenhuma relação com as coisas do século.

Sim, amei como ninguém no mundo amou, com um amor insensato e furioso, tão violento que estou espantado por não ter feito meu coração explodir. Ah!, que noites! Que noites!

Desde minha mais tenra infância sentia que minha vocação era para ser padre; assim, todos os meus estudos foram dirigidos nesse sentido, e minha vida, até vinte e quatro anos, não passou de um longo noviciado. Quando terminei minha teologia, passei sucessivamente por todas as ordens menores, e meus superiores me julgaram digno, apesar de minha juventude, de transpor o último e temível degrau. O dia de minha ordenação foi marcado para a semana da Páscoa.

Eu nunca tinha visto o mundo; o mundo para mim era o recinto do colégio e do seminário. Sabia vagamente que havia alguma coisa que se chamava mulher, mas não fixava meu pensamento nisso; era de uma perfeita inocência.

Via apenas minha mãe velha e doente, duas vezes por ano. Eram essas todas as minhas relações com o mundo exterior. Não me queixava de nada, não sentia a menor hesitação diante daquele engajamento irrevogável; estava cheio de alegria e de impaciência. Nunca um jovem noivo havia contado as horas com ardor mais febril; eu não dormia, sonhava que estava dizendo a missa; ser padre, para mim não havia mais nada tão belo no mundo: eu teria recusado ser rei ou poeta.

Minha ambição não concebia nada mais além. O que digo aqui é para lhe mostrar a que ponto o que aconteceu comigo não devia acontecer, e de que fascinação inexplicável fui vítima. Quando chegou o grande dia,andei até a igreja com um passo tão leve que me parecia estar sendo sustentado no ar ou ter asas nos ombros. Eu me julgava um anjo, e espantava-me a fisionomia fechada e preocupada de meus colegas, pois éramos muitos. Eu tinha passado anoite em orações, sentia-me num estado que quase beirava o êxtase. O bispo,venerável ancião, me parecia Deus-Pai debruçado sobre sua eternidade, e eu via o céu através das abóbadas do templo.Você conhece os detalhes dessa cerimônia: a bênção, a comunhão das duas espécies, a unção da palma das mãos com o óleo dos catecúmenos, e finalmente o santo sacrifício oferecido em conjunto com o bispo.

Não vou me demorar nisso. Ah! Como Jó tem razão! E como é imprudente aquele que não faz um pacto com os próprios olhos! Levantei por acaso a cabeça, que até então mantinha inclinada, e vi na minha frente,tão perto que eu poderia tocá-la, embora na realidade ela estivesse a uma grande distância e do outro lado da balaustrada, uma moça de uma beleza rara e vestida com a magnificência dos reis. Foi como se escamas estivessem caindo de minhas pupilas. Tive a sensação de um cego que subitamente recuperasse a visão. O bispo, tão deslumbrante ainda havia pouco, apagou-se de repente, os círios empalideceram em seus candelabros de ouro como as estrelas de manhã, e em toda a igreja fez-se uma completa escuridão. A criatura encantadora se destacava contra aquele fundo de sombra como uma revelação angélica; parecia iluminada por si mesma, para criar a luz, mais do que para recebê-la. Baixei as pálpebras, bem decidido a não mais erguê-las e me desviar da influência dos objetos exteriores, pois a distração me invadia cada vez mais, e eu sabia vagamente o que estava fazendo.Um minuto depois, reabri os olhos, pois através de meus cílios eu a via resplandecente como as cores de um prisma, e numa penumbra púrpura como quando se olha para o sol.

Ah, como era bonita! Os maiores pintores, quando, perseguindo no céu a beleza ideal, trouxeram para a terra o divino retrato da Madona, nem chegaram perto daquela fabulosa realidade. Nem os versos do poeta nem a palheta do pintor conseguem dar uma idéia. Era bastante alta, com um corpo e um porte de deusa; seus cabelos, de um louro suave, se separavam no alto da cabeça e escorriam sobre as têmporas como dois rios de ouro; parecia uma rainha com seu diadema; sua fronte, de uma brancura azulada e transparente, estendia-se larga e serena sobre as arcadas de dois cenhos quase marrons, singularidade que realçava mais ainda o efeito das pupilas verde mar de uma vivacidade e um brilho insuportáveis. Que olhos! Como um raio,decidiram o destino de um homem; tinham uma vida, uma limpidez, um ardor, a humanidade brilhante que eu nunca tinha visto num olho humano; dali escapavam raios parecidos com flechas e que eu via nitidamente atingirem meu coração. Não sei se a chama que os iluminava vinha do céu ou do inferno, mas com toda a certeza vinha de um ou outro. Aquela mulher era um anjo ou um demônio, e talvez os dois;certamente não saía do flanco de Eva, a mãe comum. Dentes da mais bela cor de pérola do Oriente cintilavam em seu sorriso vermelho, e pequenas covinhas se abriam a cada inflexão da boca no cetim rosa de suas faces adoráveis. Quanto ao nariz, era de uma fineza e de um orgulho imperiais, e indicava a mais nobre origem.O reflexo brilhante das ágatas brincava sobre a pele lisa e acetinada de seus ombros seminus, e fileiras de grandes pérolas claras, de um tom quase semelhante ao de seu pescoço, desciam sobre o colo. De vez em quando ela mexia a cabeça com um movimento ondulante de cobra ou de pavão que estufa o peito, o que conferia um leve arrepio à gola alta, plissada e bordada que a envolvia como uma treliça de prata.Usava um vestido de veludo nacarado, e de suas largas mangas forradas de arminho saíam mãos patrícias de uma delicadeza infinita, com dedos compridos e redondos, e de uma transparência tão ideal que deixavam passar o dia como os da aurora.

Todos esses detalhes ainda me são tão presentes como se datassem de ontem, e,embora eu estivesse extremamente perturbado, nada me escapava: a mais leve nuance, a pintinha preta no canto do queixo, a imperceptível penugem nas comissuras dos lábios, o aveludado da testa, a sombra fremente dos cílios sobrefaces, eu captava tudo com espantosa lucidez.À medida que olhava para ela, sentia se abrirem em mim portas que até então estavam fechadas; desentupiam-se os respiradouros obstruídos de todos os sentidos, deixando entrever perspectivas desconhecidas; a vida me aparecia sob um aspecto totalmente novo; eu acabava de nascer para uma nova ordem de idéias. Uma angústia horrorosa torturava meu coração; cada minuto que passava parecia me um segundo e um século.Enquanto isso, a cerimônia prosseguia, e eu tinha sido levado para bem longe do mundo, cuja entrada era assediada furiosamente por meus desejos nascentes.

No entanto, disse sim quando queria dizer não, quando tudo em mim se revoltava e protestava contra a violência que minha língua fazia à minha alma: uma força oculta me arrancava as palavras da garganta, contra a minha vontade. Talvez seja isso que faça com que tantas moças caminhem para o altar com a firme resolução de recusar fragorosamente o esposo que lhe impõem, e que nem uma única execute seu projeto. Sem dúvida é isso que faz com que tantas pobres noviças tomem o véu,embora bem decididas a rasgá-lo no momento de pronunciar os votos. Ninguém se atreve a causar tal escândalo diante de todos nem enganar a expectativa de tantas pessoas; todas essas vontades, todos esses olhares parecem pesar sobre você como uma chapa de chumbo; e, além disso, as medidas foram tão bem tomadas,tudo está de antemão tão bem-arrumado, de um modo tão evidentemente irrevogável, que o pensamento cede ao peso dos fatos e se prostra por completo.

O olhar da bela desconhecida mudava de expressão à medida que a cerimônia ia avançando. De início meigo e carinhoso, assumiu um ar de desdém e descontentamento como por não ter sido compreendido.Fiz um esforço suficiente para arrancar uma montanha, para exclamar que não queria ser padre; mas não consegui dizê-lo; minha língua ficava colada no céu da boca, e para mim foi impossível traduzir minha vontade pelo mais leve movimento negativo. Perfeitamente desperto, sentia-me num estado semelhante ao do pesadelo, quando queremos gritar uma palavra da qual depende nossa vida, e não conseguimos.Ela pareceu sensível ao martírio que eu estava enfrentando e, como para me encorajar, lançou-me um olhar cheio de divinas promessas. Seus olhos eram um poema cujos cantos correspondiam a cada olhar.

Dizia-me:"Se queres ser meu, te farei mais feliz que o próprio Deus no seu paraíso; os anjos te invejarão. Rasga essa fúnebre mortalha com que vais te envolver; sou a beleza, sou a juventude, sou a vida; vem a mim, seremos o amor. O que Jeová poderia oferecer-te como compensação? Nossa existência transcorrerá como um sonho e será nada mais do que um beijo eterno. "Derrama o vinho desse cálice e estarás livre. Eu te levarei para ilhas desconhecidas; dormirás sobre meu colo, num leito de ouro maciço e sob um pavilhão de prata; pois te amo e quero tirar-te de teu Deus, diante de quem tantos nobres corações vertem vagas de amor que não chegam até ele." Eu tinha a impressão de ouvir essas palavras num ritmo de infinita doçura, pois seu olhar era quase sonoro, e as frases que seus olhos me enviavam ressoavam no fundo de meu coração como se uma boca invisível as tivesse soprado em minha alma. Sentia-me pronto para renunciar a Deus, e no entanto meu coração cumpria mecanicamente as formalidades da cerimônia.

A beldade fitou-me pela segunda vez, num olhar tão suplicante, tão desesperado, que lâminas afiadas trespassaram meu coração, e senti mais gládios no peito do que a mãe das dores. Estava feito; eu era padre. Jamais uma fisionomia humana retratou uma angústia tão pungente; a moça que vê seu noivo cair morto subitamente a seu lado, a mãe perto do berço de seu filho, vazio, Eva sentada na soleira da porta do paraíso, o avarento que encontra uma pedra no lugar de seu tesouro, o poeta que deixou rolar no fogo o manuscrito único de sua mais bela obra, não têm uma fisionomia tão arrasada e mais inconsolável. O sangue abandonou de todo sua figura encantadora, e ela ficou de uma brancura de mármore; seus lindos braços caíram ao longo do corpo, como se os músculos tivessem se soldado, e ela se encostou numa pilastra, pois as pernas fraquejavam e escapuliam sob seu corpo.

Quanto a mim, lívido, a testa coberta de um suor mais sangrento que o do Calvário, dirigi-me cambaleando para a porta da igreja; eu sufocava; as abóbadas se achatavam sobre meus ombros, tinha a impressão de que minha cabeça sustentava sozinha todo o peso da cúpula. Quando ia transpor a soleira, abruptamente a mão de alguém pegou a minha; a mão de uma mulher! Eu nunca tinha tocado numa. Era fria como a pele de uma serpente,e deixou-me a marca escaldante como a de um ferro em brasa. Era ela. "Ai de ti! Ai de ti! Que fizeste?", disse-me em voz baixa; depois desapareceu na multidão.

Passou o velho bispo; olhou-me com ar severo. Eu estava com o mais estranho aspecto do mundo; empalidecia, enrubescia, tinha vertigens. Um de meus colegas teve pena de mim, pegou-me e me levou; eu teria sido incapaz de encontrar sozinho o caminho do seminário. Na esquina de uma rua, enquanto o jovem padre virava a cabeça para o outro lado, um pajem negro, estranhamente vestido, aproximou-se de mim e me entregou, sem parar sua caminhada, uma pequena pasta com cantos de ouro cinzelado, e me fez sinal para escondê-la; enfiei-a na minha manga e a segurei até que ficasse sozinho na minha cela. Arrebentei o fecho, havia apenas duas folhas com estas palavras: "Clarimonde, Palácio Concini".

Nessa época eu estava tão pouco a par das coisas da vida que não conhecia Clarimonde, apesar de sua celebridade,e não tinha a menor idéia de onde ficava o Palácio Concini. Fiz mil conjecturas,cada uma mais extravagante que a outra; mas, na verdade, contanto que pudesse revê-la, pouco ligava para o que ela pudesse ser, grande dama ou cortesã.Esse amor, nascido ainda agorinha, havia se enraizado indestrutivelmente; eu não pensava nem sequer em tentar arrancá-lo, de tal forma sentia que era impossível. Aquela mulher se apoderara completamente de mim, um só olhar bastara para me transformar; ela me soprara a sua vontade; eu não vivia mais em mim mesmo, mas nela e por ela. Fazia mil extravagâncias, beijava em minha mão o ponto que ela havia tocado, repetia seu nome horas a fio. Bastava fechar os olhos para vê-la tão claramente como se estivesse presente na realidade, e repetia a mim mesmo aquelas palavras que ela me dissera no pórtico da igreja: "Ai de ti! Ai de ti! Que fizeste?".

Compreendia o absoluto horror de minha situação, e o aspecto fúnebre e terrível do estado que eu acabava de abraçar revelava-se claramente a mim. Ser padre!, isto é, casto, não amar, não distinguir sexo nem idade, desviar-se de toda beleza, furar os próprios olhos, rastejar sob a sombra glacial de um claustro ou de uma igreja, ver apenas agonizantes, velar junto a cadáveres desconhecidos e usar seu próprio luto sobre sua sotaina preta, de modo que seu hábito possa ser a mortalha do própriocaixão! E sentia a vida subir em mim como um lago interior que se avoluma e transborda;meu sangue pulsava com força em minhas artérias; minha juventude, tanto tempo recalcada, explodia de súbito como o áloe, que leva cem anos para florescer e eclode com um estrondo de trovão. Que fazer para rever Clarimonde?

Não tinha nenhuma desculpa para sair do seminário, pois não conhecia ninguém na cidade; nem sequer devia permanecer ali,e apenas esperava que me designassem a paróquia que deveria assumir. Tentava despregar as grades da janela, mas ela ficava a uma altura aterrorizante e, sem escada, era impossível pensar nisso. E, aliás, só podia descer de noite; e como me orientaria no inextricável dédalo das ruas? Todas essas dificuldades, que para outros nada seriam, eram imensas para mim, pobre seminarista, apaixonado recente, sem experiência, sem dinheiro e sem roupas.

Ah! Se eu não fosse padre poderia vê-la, todos os dias; seria seu amante, seu marido, dizia para mim mesmo em meio à minha cegueira; em vez de estar enrolado em meu triste sudário, teria roupas de seda e veludo, correntes de ouro, uma espada e plumas como os belos jovens cavaleiros. Meus cabelos, em vez de estarem estragados pela grande tonsura, balançariam em torno de meu pescoço em cachos ondulantes. Teria um lindo bigode encerado, seria um bravo. Mas uma hora passada na frente de um altar, algumas palavras apenas articuladas, me cortavam para sempre do mundo dos vivos, e eu mesmo havia selado a pedra de meu túmulo,empurrado com a mão o ferrolho de minha prisão!

Fui até a janela. O céu estava admiravelmente azul, as árvores estavam vestidas de primavera; a natureza se exibia com uma alegria irônica. A praça estava coalhada de gente; uns iam, outros voltavam; jovens elegantes e jovens beldades, casal atrás de casal, dirigiam-se para os lados do jardim e das pérgulas. Companheiros de farras passavam cantando estribilhos que incitavam a beber; era movimento, vida, animação, uma alegria que realçava tristemente meu luto e minha solidão. Uma jovem mãe, na soleira da porta, brincava com o filho; beijava sua boquinha cor-de rosa, ainda perolada de pingos de leite, e fazia para ele, provocando-o, milhares dessas infantilidades divinas que só as mães sabem inventar. O pai, que estava em pé a certa distância, sorria suavemente para aquela dupla encantadora, e seus braços cruzados apertavam a própria alegria sobre seu coração.

Não consegui suportar o espetáculo; fechei a janela, joguei-me na cama com um ódio e um ciúme assustadores no coração, mordendo meus dedos e meu cobertor como um tigre em jejum há três dias. Não sei quanto tempo fiquei assim; mas ao me virar num gesto de furioso espasmo, vi o abade Sérapion em pé no meio do quarto a me observar atentamente. Senti vergonha de mim mesmo, e, deixando minha cabeça cair sobre o peito, tapei os olhos com as mãos."Romuald, meu amigo, algo extraordinário está acontecendo com você", diz-me Sérapion depois de alguns minutos em silêncio; "seu comportamento é realmente inexplicável! Você, tão piedoso, tão calmo e suave, agita-se em sua cela como uma fera. Tome cuidado, meu irmão, e não dê ouvidos às sugestões do diabo; maligno, irritado porque você se consagrou para sempre ao Senhor, ronda ao seu redor como um lindo lobo e faz um derradeiro esforço para atraí-lo. Em vez de deixar-se abater, meu querido Romuald, faça uma couraça de orações, um escudo de mortificações, e combata valentemente o inimigo; você o vencerá. É uma prova necessária à virtude e o ouro cairá mais fino da copela. Não se apavore nem desanime; as almas mais bem guardadas e mais firmes enfrentaram esses momentos. Reze, jejue, medite, e o mau espírito se retirará."

As palavras do abade Sérapion me fizeram retornar a mim mesmo, e fiquei um pouco mais calmo. "Eu vinha lhe anunciar a sua nomeação para a paróquia de C***; o padre que mantinha o presbitério acaba de morrer, e o senhor bispo encarregou-me de instalá-lo; esteja pronto amanhã."Respondi com um gesto de cabeça que estaria pronto, e o abade se retirou. Abri meu missal e comecei a ler orações; mas aquelas linhas logo se embaralharam diante de meus olhos; o fio das idéias se enrolou dentro de meu cérebro, e o livro escorregou de minhas mãos sem que eu reparasse.

Partir no dia seguinte sem tê-la revisto! Somar essa impossibilidade a todas que já existiam entre nós! Perder para sempre a esperança de encontrá-la, a menos que houvesse um milagre! Escrever-lhe? Por quem mandaria a carta? Com o caráter sagrado de que eu estava investido, com quem me abrir, em quem confiar? Sentia uma ansiedade terrível. Depois, o que o abade Sérapion tinha me dito sobre os artifícios do diabo me voltava à memória; a estranheza da aventura, a beleza sobrenatural de Clarimonde, o brilho fosfórico de seus olhos, a impressão escaldante de sua mão, a confusão em que me jogara, a súbita mudança que se operara em mim, minha piedade esvanecida num instante, tudo isso provava claramente a presença do diabo, e aquela mão acetinada talvez fosse apenas a luva com que ele cobrira suas garras. Essas idéias me mergulharam num imenso terror, apanhei o missal que caíra do meu colo para o chão, e recomecei a orar.

No dia seguinte, Sérapion foi me buscar; duas mulas nos esperavam na porta, carregando nossas mirradas malas; ele subiu numa e eu na outra, de qualquer jeito. Enquanto percorríamos as ruas da cidade, eu olhava para todas as janelas e todas as sacadas para tentar ver Clarimonde; mas era bem de manhãzinha, e a cidade ainda não tinha aberto os olhos. Meu olhar tentava mergulhar atrás das persianas e cortinas de todos os palácios defronte dos quais passávamos. Sérapion talvez atribuísse essa curiosidade à admiração que me causava a beleza da arquitetura, pois ele diminuía a marcha de seu animal para me dar tempo de ver.

Finalmente chegamos à porta da cidade e começamos a escalar a colina. Quando cheguei lá no alto, virei-me para olhar mais uma vez as terras onde vivia Clarimonde. A sombra de uma nuvem cobria inteiramente a cidade; seus telhados azuis e vermelhos estavam fundidos num mesmo semi-tom em que emergiam aqui e acolá, como flocos brancos de espuma, as fumaças matinais. Por uma ilusão de óptica singular, desenhava-se,dourado sob um raio único de luz, um edifício que ultrapassava em altura as construções vizinhas, totalmente imersas na névoa; embora estivesse a mais de uma légua, parecia bem perto. Distinguiam-se os menores detalhes, as torrinhas, as plataformas, as janelas, e até os cata-ventos em forma de rabo de andorinha.

"Qual é aquele palácio que vejo lá longe iluminado por um raio de sol?", perguntei a Sérapion. Ele pôs a mão acima dos olhos e, depois de olhar, me respondeu: "É o antigo palácio que o príncipe Concini deu à cortesã Clarimonde; lá acontecem coisas pavorosas". Nesse momento, e ainda não sei se é uma realidade ou uma ilusão, tive a impressão de ver passar pelo terraço uma forma esbelta e branca que brilhou um segundo e se apagou. Era Clarimonde! Oh! Saberia ela que a essa hora, do alto daquele caminho íngreme que me afastava dela, e que eu não desceria, estava eu fitando, ardoroso e inquieto, o palácio onde ela morava, e que um irrisório jogo de luz parecia aproximá-lo de mim, como que me convidando a entrar na qualidade de seu senhor? Provavelmente ela sabia, pois sua alma estava ligada à minha com tanta simpatia que sentia as menores vibrações, e era esse sentimento que a impelira, ainda envolta em seus véus noturnos, a subir ao terraço em meio ao gélido orvalho da manhã.

A sombra alcançou o palácio, e tudo se tornou um oceano imóvel de telhados e cumes em que só se enxergava uma ondulação acidentada. Sérapion bateu em sua mula, cujo passo a minha logo imitou, e uma curva do caminho me afastou para sempre da cidade de S..., pois eu não deveria mais voltar lá. Ao fim de três dias de estrada por campos bastante tristes, vimos surgir entre as árvores o galo do campanário da igreja onde eu devia servir; e depois de seguir por ruas tortuosas bordejadas de choupanas e terrenos cercados, encontramo-nos defronte da fachada que nada tinha de suntuosa. Um pórtico enfeitado com algumas nervuras e duas ou três pilastras de arenito grosseiramente talhadas, um teto de telhas e contrafortes do mesmo arenito das pilastras, e mais nada: à esquerda o cemitério infestado de capim alto, com um grande crucifixo de ferro no meio; à direita e na sombra da igreja, o presbitério. Era uma casa de extrema simplicidade e de árida limpeza.

Entramos; umas galinhas ciscavam na terra raros grãos de aveia; aparentemente acostumadas ao hábito preto dos eclesiásticos, não se incomodavam com a nossa presença e mal se assustavam ao nos deixar passar. Um latido esganiçado e rouco se fez ouvir, e vimos correr um velho cachorro. Era o cão do meu predecessor. Tinha o olhar meigo, o pêlo cinza e todos os sintomas da mais alta velhice a que um cão pode chegar. Afaguei-o suavemente com a mão, e ele logo começou a andar ao meu lado com ar de satisfação inexprimível. Uma senhora bastante idosa, e que tinha sido a governanta do antigo pároco, foi também ao nosso encontro e, depois de ter me feito entrar numa sala baixa, perguntou se minha intenção era mantê-la. Respondi que manteria, a ela e ao cão, e também as galinhas, e toda a mobília que seu patrão tinha lhe deixado ao morrer, o que a fez sentir um ímpeto de alegria, pois o abade Sérapion concordou de imediato com o preço que ela queria. Terminada minha instalação, o abade Sérapion retornou para o seminário. Portanto, fiquei sozinho e sem outro apoio além de mim mesmo. O pensamento de Clarimonde recomeçou a me obcecar, e, mesmo fazendo alguns esforços para expulsá-lo, nem sempre conseguia.

Uma noite, passeando pelas alamedas de meu jardinzinho, ladeadas de buxos, tive a impressão de ver pela cerca viva uma forma de mulher que seguia todos os meus movimentos, e entre as folhas cintilarem as duas pupilas verde-água; mas era apenas uma ilusão, e, tendo passado para o outro lado da alameda, nada encontrei além do rastro de um pé na areia, tão pequeno que parecia um pé de criança. O jardim era cercado de muralhas muito altas; visitei todos os seus cantos e recantos, não havia ninguém. Jamais consegui explicar esse episódio, que, aliás, não era nada se comparado com as coisas estranhas que iriam acontecer comigo.

Fazia um ano que eu vivia assim, cumprindo rigorosamente todos os deveres da minha condição, rezando, jejuando, exortando e socorrendo os doentes, dando esmolas a ponto de me privar dos bens mais indispensáveis. Mas sentia sobre mim uma aridez extrema, e as fontes da graça me estavam fechadas. Não desfrutava dessa felicidade conferida pelo cumprimento de uma santa missão; meu pensamento estava em outro lugar, e as palavras de Clarimonde voltavam a toda hora a meus lábios como uma espécie de refrão involuntário. Ó irmão, medite bastante sobre isso! Por ter erguido uma única vez o olhar para uma mulher por uma falta aparentemente tão leve, sofri durante vários anos as inquietações mais miseráveis: minha vida desandou para sempre. Não o reterei mais tempo nessas derrotas e vitórias interiores, sempre seguidas de recaídas mais profundas, e passarei imediatamente a um episódio decisivo.

Uma noite bateram violentamente à minha porta. A velha governanta foi abrir, e um homem de tez acobreada e ricamente vestido, mas seguindo uma moda estrangeira,com um longo punhal, delineou-se sob os raios da lanterna de Bárbara. Seu primeiro gesto foi de terror; mas o homem a tranquilizou, e disse-lhe que precisava me ver imediatamente para alguma coisa que dizia respeito ao meu ministério. Bárbara o fez subir. Eu ia me deitar. O homem me disse que sua amante, uma grande dama, estava às vésperas da morte e desejava um padre. Respondi que estava pronto para segui-lo; levei comigo o necessário para a extrema-unção e desci às pressas.

Na porta dois cavalos pretos como a noite batiam os pés de impaciência, e bufavam deixando no pelame dois longos rastros de fumaça. Ele segurou o estribo para mime ajudou-me a montar num cavalo, depois pulou no outro apoiando apenas a mão no santantônio da sela. Apertou os joelhos e largou as rédeas de seu cavalo, que partiu como uma flecha. O meu, cuja brida ele segurava, também desembestou no galope e manteve-se perfeitamente lado a lado com o outro. Devorávamos o caminho; debaixo de nós, a terra corria, cinzenta e riscada, e as silhuetas negras das árvores fugiam como um exército em derrocada. Atravessamos uma floresta de sombra tão opaca e glacial que senti correr por minha pele um arrepio de supersticioso terror. As faíscas que as ferraduras de nossos cavalos arrancavam das pedras deixavam no caminho como que um rastro de fogo, e se alguém, àquela hora da noite, tivesse nos visto, meu guia e eu, teria nos confundido com duas assombrações a cavalo num pesadelo. De vez em quando, dois fogos-fátuos cruzavam o caminho, e as gralhas piavam miseravelmente no bosque cerrado, onde de longe em longe brilhavam os olhos fosforescentes de gatos selvagens. A crina dos cavalos estava cada vez mais descabelada, o suor corria por seus flancos, e o bafo saía de suas narinas barulhento e apressado. Mas quando o escudeiro os via fraquejar, dava um grito gutural para reanimá-los, que nada tinha de humano, e a corrida desembestava furiosamente.

Finalmente o turbilhão parou; ergueu-se de repente na nossa frente um volume negro espetado por alguns pontos; os passos de nossos cavalos soaram mais barulhentos sobre um piso de ferro, e entramos por uma abóbada que abria sua goela escura entre duas torres imensas. Uma grande agitação reinava no castelo; domésticos de tochas na mão cruzavam os pátios em todas as direções, e luzes subiam e desciam de patamar em patamar. Entrevi confusamente imensas arquiteturas, colunas, arcadas, escadarias e rampas, um luxo de construção feérico e perfeitamente digno de um rei. Um pajem negro, o mesmo que tinha me dado as pastas e que reconheci instantaneamente, veio me ajudar a descer, e um mordomo, vestido de veludo preto com uma corrente de ouro em volta do pescoço e uma bengala de marfim na mão, deu um passo em minha direção.

Lágrimas pesadas transbordavam de seus olhos e corriam pelas faces por cima da barba branca. "Tarde demais!", disse ele balançando a cabeça, "tarde demais!, senhor padre; masse não pôde salvar a alma, venha velar o pobre corpo. "Pegou meu braço e me levou à sala fúnebre; eu chorava tão alto quanto ele, pois tinha entendido que a falecida era ninguém menos que Clarimonde, tanto e tão alucinadamente amada. Havia um genuflexório ao lado da cama; uma chama azulada rodopiando sobre um vaso de bronze projetava em todo o quarto uma luz fraca e incerta, e aqui e ali fazia cintilar no escuro alguma protuberância de um móvel ou de uma sanca. Sobre a mesa, dentro de uma urna cinzelada, boiava uma rosa branca murcha cujas folhas, excetuando uma única que ainda vivia, estavam todas caídas ao pé do vaso como lágrimas perfumadas; uma máscara negra quebrada, um leque, disfarces de todo tipo estavam jogados sobre as poltronas e faziam ver que a morte havia chegado subitamente àquela suntuosa residência e sem se fazer anunciar.

Ajoelhei-me sem me atrever a dar uma olhada para o leito, e comecei a recitar os salmos com grande fervor, agradecendo a Deus por ter posto um túmulo entre o pensamento dessa mulher e mim, a fim de que eu pudesse acrescentar às minhas preces seu nome doravante santificado.Mas pouco a pouco o ânimo se arrefeceu e caí em devaneios. Aquele quarto nada tinha de câmara-ardente. Em vez do ar fétido e cadavérico que eu estava habituado a respirar nesses velórios, uma langorosa fumaça de essências orientais, sei lá eu que cheiro adorável de mulher, pairava suavemente no ar tépido. Aquela claridade pálida mais parecia uma meia-luz acesa para a volúpia do que a luzinha de reflexos amarelos que tremelica junto dos cadáveres.

Eu pensava no acaso singular que me fez reencontrar Clarimonde na hora em que a perdia para sempre, e um suspiro de arrependimento escapou de meu peito. Pareceu-me que alguém também tinha suspirado atrás de mim, e virei-me sem querer. Era o eco. Nesse movimento, meus olhos caíram sobre o leito fúnebre que até então eles tinham evitado. O cortinado de adamascado vermelho com grandes flores, suspenso por franjas de ouro, deixavam ver a morta deitada e de mãos postas sobre o peito. Cobria-a um véu de linho de uma brancura resplandecente, que a púrpura escura da tapeçaria realçava ainda mais, e tão fino que nada escondia da forma encantadora de seu corpo, permitindo seguir as belas linhas onduladas como o pescoço de um cisne que nem mesmo a morte conseguira endurecer.

Dir-se-ia uma estátua de alabastro feita por um escultor hábil para colocar sobre um túmulo de rainha, ou então uma moça adormecida sobre quem tivesse nevado. Eu não agüentava mais; aquele ar de alcova me deixava tonto, aquele perfume febril de rosa semi-murcha subia ao meu cérebro, e eu andava a passos largos pelo quarto, parando a cada volta diante do estrado para observar a graciosa falecida sob a transparência da mortalha. Estranhos pensamentos atravessavam meu espírito; imaginava que ela não estava realmente morta, e que era apenas uma astúcia que usara para me atrair a seu castelo e revelar seu amor. A certa altura, pensei até ter visto seu pé se mexer entre a brancura dos véus, e desfazer as pregas retas do sudário. E depois dizia comigo mesmo: "Será mesmo Clarimonde? Que provas tenho? Esse pajem negro não pode ter passado para o serviço de outra mulher? De fato, estou mesmo louco por me sentir tão desconsolado e agitado".

Mas meu coração respondeu com um batimento acelerado: "É ela mesmo, é ela mesmo". Aproximei-me do leito e olhei com atenção redobrada o objeto de minha incerteza. Confessarei a você? Aquela perfeição de formas, se bem que purificada e santificada pela sombra da morte, me perturbava mais voluptuosamente do que devia, e aquele repouso parecia tanto um sono que qualquer um se enganaria. Esqueci que tinha ido a um ofício fúnebre, e imaginei que era um recém-casado entrando no quarto de sua noiva que esconde o rosto por pudor e não quer se deixar ver. Consternado de dor, alucinado de alegria, trêmulo de receio e prazer, debrucei-me sobre ela e peguei a ponta da mortalha; levantei-a devagar, retendo minha respiração por temer acordá-la. Minhas artérias latejavam com tal força que eu assentia assobiar em minhas têmporas, e o suor escorria por minha testa como se eu tivesse remexido numa lápide de mármore.

Era mesmo Clarimonde, tal como eu a conhecera na igreja no dia da minha ordenação; sempre tão sedutora, e a morte parecia uma faceirice a mais. A palidez de suas faces, o rosa menos vivo de seus lábios, os longos cílios abaixados e recortando sua franja castanha contra a palidez davam-lhe uma expressão de castidade melancólica e sofrimento pensativo cuja força de sedução era inexprimível; seus longos cabelos soltos, em que ainda se viam algumas florzinhas azuis, formavam um travesseiro para sua cabeça e protegiam com os cachos a nudez dos ombros; suas belas mãos, mais puras, mais diáfanas do que hóstias, estavam cruzadas em atitude de piedoso repouso e tácita oração, que corrigia o que poderiam ter tido de sedutoras demais, mesmo na morte; e seus braços nus delicadamente roliços e polidos como o marfim, dos quais não haviam tirado suas pulseiras de pérolas.

Fiquei muito tempo absorto em muda contemplação, e quanto mais olhava para ela, menos conseguia acreditar que a vida tinha abandonado para sempre aquele belo corpo. Não sei se era uma ilusão ou um reflexo da lamparina, mas parecia que o sangue recomeçava a circular sob a palidez opaca; no entanto ela continuava na mais perfeita imobilidade. Toquei de leve seu braço; estava frio, mas não mais frio do que sua mão no dia em que roçara na minha sob o pórtico da igreja. Voltei a meu estado normal e debrucei meu rosto sobre o seu, deixando chover sobre suas faces o morno orvalho de minhas lágrimas. Ah!, que sentimento amargo de desespero e impotência! Que agonia aquele velório! Gostaria de poder reunir toda a minha vida para lhe dar e soprar sobre seu gélido despojo a chama que me devorava.

A noite avançava, e, sentindo se aproximar o momento da separação eterna, não consegui me recusar à triste e suprema doçura de deixar um beijo nos lábios mortos daquela que teve todo o meu amor. Ó prodígio! Um leve sopro misturou-se ao meu sopro, e a boca de Clarimonde respondeu à pressão da minha: seus olhos se abriram e recuperaram um pouco de brilho, ela deu um suspiro e, descruzando os braços, passou-os atrás de meu pescoço com ar de júbilo inefável. “Ah!, és tu, Romuald", disse com voz lânguida e doce como as últimas vibrações de uma harpa, "mas o que estás fazendo? Esperei-te tanto tempo que morri; mas agora estamos noivos, poderei te ver e ir à tua casa. Adeus, Romuald, adeus! Eu te amo; é tudo o que queria te dizer, e devolvo-te a vida que convocaste sobre mim por um minuto com teu beijo; até breve."

Sua cabeça caiu para trás, mas ela continuava a me segurar entre seus braços como para me reter. Um turbilhão de vento arrebentou a janela e entrou no quarto; a última pétala da rosa branca palpitou por um instante como uma asa na ponta da haste, depois se soltou e voou pela janela aberta, levando a alma de Clarimonde. A lamparina se apagou e caí desfalecido sobre o seio da bela falecida. Quando voltei a mim, estava deitado em minha cama, no quartinho do presbitério, e o velho cachorro do ex-pároco lambia minha mão que saía para fora do cobertor.

Bárbara se movimentava no quarto com um tremor senil, abrindo e fechando gavetas, remexendo pós dentro de copos. Ao me ver abrir os olhos, a velha deu um grito de alegria, o cão soltou um uivo e abanou o rabo; mas eu estava tão fraco que não consegui pronunciar uma só palavra nem fazer um só gesto. Soube então que tinha ficado assim durante três dias, não dando outro sinal de vida além de uma respiração quase insensível. Esses três dias não contam em minha vida, e não sei onde meu espírito esteve durante todo esse tempo; não tenho a menor lembrança.

Bárbara me contou que o mesmo homem de tez acobreada, que tinha ido me buscar durante a noite, havia me levado de volta de manhã numa liteira fechada e partira logo em seguida. Mal consegui concatenar minhas idéias, repassei em meu interior todas as circunstâncias daquela noite fatal. Primeiro pensei que tinha sido vítima de uma ilusão mágica; mas circunstâncias reais e palpáveis logo destruíram essa suposição. Não conseguia acreditar que tivesse sonhado, já que Bárbara tinha visto tanto quanto eu o homem com os dois cavalos pretos cujos arreios e aparência ela descrevia com exatidão. No entanto, ninguém conhecia nas redondezas um castelo que combinasse com a descrição daquele onde encontrei Clarimonde.

Uma bela manhã vi o abade Sérapion entrar. Bárbara lhe comunicara que eu estava doente, e ele acorrera às pressas. Embora essa solicitude demonstrasse afeto e interesse por minha pessoa, sua visita não me deu o prazer que deveria ter dado. O abade Sérapion tinha no olhar algo penetrante e de inquisidor que me perturbava. Diante dele sentia-me constrangido e culpado. Foi o primeiro a descobrir meu drama interior, e eu estava zangado com ele por essa clarividência.

Enquanto me pedia notícias de minha saúde num tom hipocritamente melífluo, fixava em mim suas duas pupilas de leão, amarelas, e seu olhar afundava em minha alma como uma sonda. Depois me fez algumas perguntas sobre a administração de minha paróquia, se eu estava satisfeito, em que passava o tempo de folga deixado por meu ministério, se eu tinha feito alguns conhecimentos entre os moradores do lugar, quais eram minhas leituras favoritas, e mil outros detalhes do gênero. Respondi a tudo isso o mais brevemente possível, e, sem esperar que eu tivesse terminado, ele passava a outra coisa.

Evidentemente, essa conversa não tinha nada a ver com o que ele queria dizer. Depois, sem nenhuma preparação, e como uma notícia de que se lembrasse agorinha mesmo e temesse esquecer depois, disse em voz clara e vibrante que ressoou em meu ouvido como as trombetas do Juízo Final: "A grande cortesã Clarimonde morreu recentemente, após uma orgia que durou oito dias e oito noites. Foi uma coisa infernalmente esplêndida. Lá reviveram as abominações dos festins de Baltasar e de Cleópatra. Em que século estamos vivendo, meu Deus! Os convivas eram servidos por escravos morenos que falavam uma língua desconhecida e cujo aspecto me pareceu tal e qual o de verdadeiros demônios; a libré do mais modesto poderia servir de traje de gala para um imperador. Desde sempre corriam sobre essa Clarimonde histórias muito esquisitas, e todos os seus amantes terminaram de modo miserável ou violento. Disseram que era uma ghoul, uma vampira; mas acho que era Belzebu em pessoa."Calou-se e me observou mais atentamente que nunca, para ver o efeito de suas palavras.

Não consegui evitar um gesto ao ouvi-lo dizer "Clarimonde", e essa notícia de sua morte, além da dor que me causava pela estranha coincidência com a cena noturna que eu testemunhara, jogou-me numa agitação e num pavor que se estamparam em meu rosto, por mais que eu fizesse para controlá-los. Sérapion me deu uma olhadela inquieta e severa; depois disse: "Meu filho, devo adverti-lo, você está com o pé levantado sobre um abismo, tome cuidado para não cair. Satã tem as garras compridas, e os túmulos nem sempre são fiéis. A pedra que cobre Clarimonde deveria ser selada com um triplo selo, pois, pelo que dizem, não é a primeira vez que ela morre. Que Deus o proteja. Romuald!" Depois de dizer essas palavras, Sérapion voltou para a porta a passos lentos, e nunca mais o revi; partiu para S*** praticamente na mesma hora.

Eu estava perfeitamente restabelecido e tinha retomado minhas funções habituais. A lembrança de Clarimonde e as palavras do velho padre estavam sempre presentes no meu espírito, porém nenhum acontecimento extraordinário foi confirmar as previsões fúnebres de Serapion. Eu começava a crer que seus temores e meus terrores eram exagerados, mas uma noite tive um sonho.

Mal havia sorvido os primeiros goles do sono, ouvi alguém abrir o cortinado de minha cama e puxar as argolas do trilho com um ruído forte; abruptamente recostei-me sobre os cotovelos e vi uma sombra de mulher em pé na minha frente. Na mesma hora reconheci Clarimonde. Ela trazia na mão uma pequena lamparina com a forma dessas que se põem nos túmulos, cuja luz dava a seus dedos finos uma transparência rosa que se prolongava numa gradação insensível até a brancura opaca e leitosa de seu braço nu. Sua única vestimenta era o sudário de linho que a cobria em seu leito de morte, e cujas pregas ela prendia no peito, como se envergonhada de estar tão pouco vestida, mas sua mãozinha não era suficiente; estava tão branca que a cor do pano se confundia com a de suas carnes sob o pálido raio da lamparina. Enrolada nesse fino tecido que revelava todos os contornos de seu corpo, mais parecia uma estátua de mármore de banhista antiga do que uma mulher dotada de vida. Morta ou viva, estátua ou mulher, sombra ou corpo, sua beleza era inalterável; só o brilho verde de suas íris estava meio embaçado, e sua boca, outrora tão vermelha, agora tinha apenas o tom rosa pálido e suave quase parecido com o de suas faces. As florzinhas azuis que eu tinha notado em seus cabelos estavam completamente secas e haviam perdido praticamente todas as folhas; nem por isso ela era menos sedutora, tão sedutora que, apesar da singularidade da aventura e da forma inexplicável como tinha entrado em meu quarto, nem por um instante fiquei apavorado.

Colocou a lamparina na mesa e sentou-se ao pé de minha cama, depois disse debruçando-se sobre mim, com aquela voz a um só tempo argentina e aveludada que só nela conheci: "Deixei-te esperando bastante, meu querido Romuald, e deves ter pensado que eu havia te esquecido. Mas venho de bem longe, e de um lugar de onde ninguém ainda retornou: não há lua nem sol no país de onde venho; é só espaço e sombra; nem caminho, nem vereda; nenhuma terra para o pé, nenhum ar para a asa; e no entanto eis-me aqui, pois o amor é mais forte que a morte, e acabará por vencê-la. Ah!, quantas faces prostradas e coisas terríveis vi em minha viagem! Quanta dificuldade teve minha alma, que voltou a este mundo pela força da vontade, para reencontrar seu corpo e nele se reinstalar! Quantos esforços precisei fazer antes de levantar a lápide com que me cobriram! Olha!, as palmas de minhas pobres mãos estão todas machucadas. Beija-as para curá-las, meu amor querido! "Ela comprimiu uma após outra as palmas frias de suas mãos em minha boca; beijei-as, de fato, diversas vezes, e ela me olhava com um sorriso de inefável condescendência.

Confesso, para minha vergonha, que tinha esquecido totalmente as advertências do abade Serapion e o compromisso que eu tinha assumido. Tombei sem resistência, e na primeira investida. Nem mesmo tentei rechaçar o tentador; a frescura da pele de Clarimonde penetrava na minha, e eu sentia correr por meu corpo voluptuosos arrepios. Pobre criança! Apesar de tudo o que vi, ainda custo a crer que fosse um demônio; pelo menos não tinha o menor jeito, e nunca Satã escondeu melhor suas garras e seus chifres. Tinha encolhido os calcanhares debaixo de si e continuava acocorada na beira do meu colchão numa pose cheia de um displicente coquetismo. De vez em quando passava sua mãozinha por meus cabelos e os enrolava em cachos como para testar em meu rosto um novo penteado. Eu me entregava com a mais culpada condescendência, e ela tudo acompanhava com o balbucio mais encantador.

Notável é que eu não sentisse o menor espanto com uma aventura tão extraordinária, e com essa facilidade de nossa visão para admitir como muito simples os acontecimentos mais estranhos, eu nada via ali que não fosse perfeitamente natural."Eu te amava muito antes de te ver, meu querido Romuald, e te procurava por toda parte. Eras meu sonho, e te avistei na igreja no momento fatal, e disse imediatamente: 'É ele!'. Dei-te um olhar em que pus todo o amor que eu tivera, que tinha e que teria por ti; um olhar capaz de danar um cardeal, de fazer um rei ajoelhara meus pés diante de toda a corte. Ficaste impassível e preferiste teu Deus a mim. "Ah!, como tenho ciúme de Deus, que amaste e amas ainda mais que a mim! "Ai de mim! Como sou infeliz! Nunca terei teu coração só para mim, eu, que tu ressuscitaste com um beijo, Clarimonde, a morta, que por tua causa força as portas do túmulo e vem te dedicar uma vida que ela só reviveu para fazer-te feliz!"

Todas essas palavras eram entrecortadas de carícias delirantes que atordoaram meus sentidos e minha razão a ponto de eu já não temer, para consolá-la, proferir uma terrível blasfêmia, e dizer que a amava tanto quanto a Deus. Suas pupilas se reavivaram e brilharam como crisoprásios. "Verdade!, bem verdade! Tanto quanto a Deus!", ela disse me tomando em seus belos braços. "Já que é assim, virás comigo, me seguirás para onde eu quiser. Deixarás tuas feias batinas pretas. Serás o mais orgulhoso e o mais invejado dos cavaleiros, serás meu amante. Ser o amante declarado de Clarimonde que recusou um papa, como isso é belo! Ah!, a boa vida muito feliz, a bela existência dourada que levaremos! Quando partimos, meu lorde?""Amanhã! Amanhã!", gritei em meu delírio."Amanhã. Está bem!", ela recomeçou. "Terei tempo de mudar de roupa, pois esta é um pouco sumária e não vale nada para a viagem. Preciso também avisar meus criados que acreditam que estou seriamente morta e estão no auge do desconsolo. O dinheiro, as roupas, as carruagens, tudo estará pronto; virei pegar-te a esta hora. Adeus, meu coração querido." E roçou a ponta dos lábios na minha testa. A lamparina se apagou, as cortinas se fecharam, e não vi mais nada; um sono de chumbo, um sono sem sonho abateu-se sobre mim e deixou-me entorpecido até a manhã seguinte.

Acordei mais tarde que de costume, e a lembrança daquela visão singular agitou toda a minha manhã; acabei me convencendo de que era apenas fruto de minha imaginação excitada. No entanto, as sensações tinham sido tão vivas que era difícil acreditar que não haviam sido reais e, não sem certa apreensão pelo que ia acontecer, fui para a cama depois de ter rezado a Deus para que afastasse de mim os maus pensamentos e protegesse a castidade de meu sono.

Logo ferrei no sono, e meu sonho prosseguiu. As cortinas se afastaram, e vi Clarimonde, não como da primeira vez, pálida no seu pálido sudário e com as faces violeta como a morte, mas alegre, lépida e viçosa, com um fantástico traje de viagem de veludo verde enfeitado de galões de ouro e levantado de um lado para deixar ver uma saia de cetim. Seus cabelos louros caíam em cachos grandes de um largo chapéu de feltro preto cheio de plumas brancas caprichosamente reviradas; ela segurava um pequeno chicote terminado por um apito de ouro. Tocou em mim de leve e disse: "Bem!, lindo dorminhoco, é assim que fazes teus preparativos? Contava encontrar-te de pé. Levanta-te bem depressa, não temos tempo a perder." Pulei para fora da cama. "Anda, tu te vestes e partimos", disse apontando com o dedo uma pequena trouxa que tinha trazido; "os cavalos se aborrecem e estão impacientes na porta. Já deveríamos estar a dez léguas daqui."

Vesti-me às pressas, e ela mesma ia me passando as peças de roupa, rindo as gargalhadas de minha falta de jeito, e me indicando o uso de cada uma quando eu me enganava. Arrumou meu cabelo e, quando acabou, estendeu-me um espelhinho de bolso, de cristal de Veneza, rodeado por uma filigrana de prata, e disse: "O que achas de tua aparência? Queres me contratar para teu serviço como valet dechambre?" Eu não era mais o mesmo, não me reconheci. Não parecia mais comigo, tanto quanto uma estátua terminada não parece um bloco de pedra. Meu antigo rosto lembrava apenas o esboço grosseiro do que o espelho refletia. Eu estava bonito, e minha vaidade foi sensivelmente afagada com essa metamorfose. Aquelas roupas elegantes, aquela rica veste bordada faziam de mim um personagem totalmente diferente, e eu admirava a força de umas poucas varas de tecido cortadas de certo modo. O espírito de meu traje penetrava em minha pele, e dez minutos depois eu estava razoavelmente enfatuado.

Dei voltas pelo quarto para me sentir à vontade. Clarimonde olhava para mim com cara de condescendência materna e parecia muito contente com sua obra."Pronto, agora chega de criancices; para a estrada, meu querido Romuald! Iremos longe e não chegaremos a tempo." Pegou-me pela mão e me arrastou. Todas as portas se abriam diante dela, mal as tocava, e passamos pelo cachorro sem acordá-lo. Na porta, encontramos Margheritone; era o escudeiro que já tinha me conduzido; ele segurava a brida de três cavalos pretos como os primeiros, um para mim, um para ele, um para Clarimonde. Aqueles cavalos só podiam ser ginetes da Espanha, nascidos de jumentas fecundadas pelo zéfiro; pois iam tão depressa quanto o vento,e a lua, que se levantara na nossa partida para nos iluminar, rolava no céu como uma roda que se desprendeu de uma carruagem; a lua estava à nossa direita, pulando de árvore em árvore e perdendo o fôlego para correr atrás de nós.

Logo chegamos a uma planície onde, perto de um bosque, nos esperava um carro atrelado com quatro animais vigorosos; subimos, e os cocheiros os puseram num galope alucinante. Um de meus braços passava pela cintura de Clarimonde e uma de suas mãos estava fechada dentro da minha; ela encostava a cabeça em meu ombro, e eu sentia seu colo seminu roçar em meu braço. Nunca tinha sentido uma felicidade tão intensa. Naquele momento estava esquecido de tudo, e me lembrava de ter sido padre tanto quanto me lembrava do que tinha feito no seio de minha mãe, tal era o grande fascínio do espírito maligno sobre mim.

Dessa noite em diante, de certa forma minha natureza se desdobrou, e dentro de mim passou a haver dois homens que não se conheciam. Ora eu me considerava um padre que sonhava toda noite que era um nobre, ora um nobre que sonhava que era padre. Não conseguia separar o sonho da vigília, e não sabia onde começava a realidade e onde terminava a ilusão. O jovem senhor enfatuado e libertino zombavado padre, o padre detestava as libertinagens do jovem senhor. Duas espirais enredadas uma na outra e enroladas sem nunca se tocarem representam muito bema vida bicéfala que foi a minha.

Apesar da estranheza da situação, não creio ter um só instante beirado a loucura. Sempre conservei muito nítidas as percepções de minhas duas existências. Só que havia um fato absurdo que eu não conseguia explicar: é que o sentimento do mesmo "eu" existisse em dois homens tão diferentes. Era uma anomalia da qual não me dava conta, tanto ao pensar que era o pároco do vilarejo de ***, como ao imaginar que era Signor Romualdo, amante titular de Clarimonde.

O fato é que eu estava, ou pelo menos imaginava estar, em Veneza; ainda não conseguira esclarecer o que havia de ilusão e de realidade nessa bizarra aventura. Morávamos num grande palácio de mármore que dava para o Canaleio, repleto de afrescos e estátuas, com dois Ticianos da melhor época no quarto de Clarimonde, um palácio digno de um rei. Cada um de nós tinha a sua gôndola e as suas barcarolas a seu serviço, nossa sala de música e nosso poeta. Clarimonde concebia a vida em grande estilo, e sua natureza tinha algo de Cleópatra. Quanto a mim, eu levava uma vida de filho de príncipe, e tinha a pose de um membro da família de um dos doze apóstolos ou dos quatro evangelistas da Sereníssima República; não teria me desviado de meu caminho para deixar o doge passar, e não creio que, desde que Satanás caiu do céu, ninguém tivesse sido mais orgulhoso e mais insolente.

Ia ao Ridotto, e jogava um jogo diabólico. Via a melhor sociedade do mundo, filhos de família arruinados, divas de teatro, vigaristas, parasitas e espadachins. No entanto, apesar da dissipação dessa vida, mantive-me fiel a Clarimonde. Amava-a perdidamente. Ela seria capaz de despertar a própria saciedade e fazer da inconstância constância. Ter Clarimonde era ter vinte amantes, era ter todas as mulheres, de tal forma era mobile, mutável e tão diferente de si mesma; um verdadeiro camaleão! Levava você a cometer com ela a infidelidade que teria cometido com outras, assumindo por completo o temperamento, o jeito e o tipo de beleza da mulher que parecia agradar a você.

Retribuía o meu amor centuplicado, e foi em vão que os jovens patrícios e até os velhos do Conselho dos Dez fizeram-lhe as mais fantásticas propostas. Um Foscari chegou a ponto de lhe propor casamento; ela tudo recusou. Tinha ouro suficiente, queria apenas amor, um amor jovem, puro, despertado por ela, e que devia ser o primeiro e o último. Não fosse um maldito pesadelo que voltava todas as noites, quando eu pensava ser um pároco de aldeia se macerando e fazendo penitência por causa de meus excessos do dia, eu teria conhecido a felicidade completa.

Sereno, depois de ter me acostumado a estar com ela, quase já não pensava no modo estranho como eu tinha conhecido Clarimonde. Entretanto, por vezes o que o abade Sérapion me dissera voltava à minha memória e me deixava inquieto. De uns tempos para cá a saúde de Clarimonde já não era tão boa; sua tez estava cada dia mais mortiça. Os médicos que foram chamados nada entendiam de sua doença, não sabiam o que fazer. Prescreveram alguns remédios insignificantes e não voltaram mais. No entanto, ela empalidecia a olhos vistos e tornava-se cada vez mais fria. Estava quase tão branca e tão morta como na famosa noite no castelo desconhecido. Eu me sentia desconsolado ao vê-la se consumindo assim, lentamente.

Tocada por minha dor, ela me sorria suave e tristemente com o sorriso fatal de quem sabe que vai morrer. Certa manhã, estava sentado perto de sua cama e almoçava sobre uma mesinha para não deixá-la nem um minuto. Ao cortar uma fruta, fiz sem querer um talho bastante fundo no dedo. Logo o sangue jorrou em filetes púrpura, e algumas gotas respingaram em Clarimonde. Seus olhos se iluminaram, sua fisionomia assumiu uma expressão de alegria feroz e selvagem que eu nunca tinha visto. Pulou para fora da cama com uma agilidade animal, uma agilidade de macaco ou gato, e jogou-se sobre o ferimento e começou a chupá-lo com jeito de indizível volúpia. Sorvia o sangue aos golinhos, como um gourmet que saboreia um vinho de Jerez ou de Siracusa. Piscava os olhos quase fechados, e a pupila de suas íris verdes transformara-se de oblonga em redonda. De vez em quando ela parava para beijar minha mão, depois recomeçava a apertar com os lábios as bordas da ferida para fazer sair mais umas gotas vermelhas. Quando viu que não saía mais sangue, levantou-se com os olhos úmidos e brilhantes, mais rosada que uma aurora de maio, o rosto pleno, a mão morna e úmida, enfim, mais bela que nunca e num estado de perfeita saúde. "Não morrerei!, não morrerei!", disse, alucinada de alegria e se pendurando em meu pescoço. "Poderei te amar ainda muito tempo. Minha vida está na tua, e tudo o que sou vem de ti. Algumas gotas de teu rico e nobre sangue, mais precioso e eficaz que todos os elixires do mundo, me restituíram a vida."

Essa cena me deixou por muito tempo preocupado e me infundiu estranhas dúvidas quanto a Clarimonde, e, na própria noite, quando o sono me levou de volta ao presbitério, vi o abade Sérapion mais grave e ansioso do que nunca. Olhou-me atentamente e disse: "Não contente de perder sua alma, você quer perder também seu corpo. Desafortunado rapaz, em que cilada você caiu!". O tom em que disse essas poucas palavras me impressionou vivamente; mas, apesar de sua vivacidade, a impressão foi logo dissipada, e mil outros afazeres a apagaram de meu espírito.

Uma noite, porém, vi pelo meu espelho, cuja pérfida posição ela não tinha calculado, Clarimonde despejando um pó na taça de vinho temperado que costumava preparar depois da refeição. Peguei a taça, fingi levá-la aos lábios e deixei-a em cima de algum móvel como para terminá-la mais tarde, tranquilamente, e, aproveitando um instante em que a beldade estava de costas, joguei o conteúdo debaixo da mesa.Depois, retirei-me para meu quarto e me deitei, decidido a não dormir e a ver odesfecho de tudo aquilo.

Não esperei muito; Clarimonde entrou de camisola e, tendo se livrado dos véus, deitou-se ao meu lado na cama. Quando teve certeza de que eu estava dormindo, descobriu meu braço e tirou do cabelo um alfinete de ouro; depois começou a murmurar em voz baixa:"Uma gota, só uma gotinha vermelha, um rubi na ponta de minha agulha!... Já que ainda me amas, não devo morrer... Ah! pobre amor, teu belo sangue de cor púrpura tão brilhante, vou bebê-lo. Dorme, meu único bem; dorme, meu deus, meu menino; não te farei mal, só pegarei de tua vida o necessário para não deixar que a minha se extinga. Se não te amasse tanto poderia ter outros amantes cujas veias eu secaria; mas desde que te conheço tenho horror a todo mundo... Ah!, que lindo braço! Como é roliço! Como é branco! Jamais ousarei espetar essa linda veia azul."

E, enquanto dizia isso, chorava, e eu sentia suas lágrimas choverem sobre meu braço que ela ainda segurava entre as mãos. Finalmente se decidiu, deu-me uma pequena injeção com a agulha e começou a bombear o sangue que escorria. Embora tivesse bebido apenas umas gotas, o medo de me esgotar a invadiu, e, depois de esfregar a ferida com um unguento que a cicatrizou na mesma hora, cuidadosamente enrolou uma bandagem no meu braço.

Eu não podia mais ter dúvidas, o abade Sérapion tinha razão. No entanto, apesar dessa certeza, não conseguia deixar de amar Clarimonde, e de bom grado teria lhe dado todo o sangue necessário para manter sua existência artificial. Aliás, eu não sentia um grande medo; para mim, a mulher poderia ser uma vampira, e o que eu tinha ouvido e visto me tranquilizava de vez; na época minhas veias eram abundantese não secariam tão cedo, e eu não barganhava minha vida gota a gota. Eu mesmo teria cortado o braço e lhe dito: "Bebe!, e que meu amor se infiltre em teu corpo junto com meu sangue!". Evitava fazer a menor alusão ao narcótico que ela havia despejado no meu copo e à cena da agulha, e vivíamos na mais perfeita harmonia.

No entanto, meus escrúpulos de padre me atormentavam mais que nunca, e não sabia que nova maceração inventar para domesticar e mortificar minha carne. Embora todas essas visões fossem involuntárias e eu não participasse de nada, não me atrevia a tocar no Cristo com mãos tão impuras e um espírito conspurcado portais deboches reais ou sonhados. Para evitar cair nessas exaustivas alucinações, tentava me impedir de dormir, com os dedos mantinha as pálpebras abertas e ficava em pé encostado nas paredes, lutando contra o sono com todas as minhas forças; mas logo a areia do adormecimento rolava em meus olhos, e ao ver que toda luta era inútil eu baixava os braços desanimado e cansado, e a torrente me arrastava denovo para as praias pérfidas.

Sérapion me fazia as exortações mais veementes, e criticava duramente minha moleza e meu pouco fervor. Um dia em que estive mais agitado que de costume, ele me disse:"Só há um meio de você se livrar dessa obsessão, e, mesmo sendo extremo, temos de empregá-lo: para os grandes males, grandes remédios. Sei onde Clarimonde foi enterrada; precisamos desenterrá-la para que você veja em que estado lamentável está o objeto do seu amor; você não será mais tentado a perder sua alma por um cadáver imundo devorado pelos vermes e prestes a se desmanchar em pó; isso certamente o fará voltar ao bom caminho." Quanto a mim, estava tão exausto com essa vida dupla que aceitei: querendo saber, de uma vez por todas, quem, se o padre ou o nobre, era tapeado por uma ilusão, estava decidido a matar em proveito de um ou outro um dos dois homens que havia dentro de mim, ou a matá-los ambos, pois aquela vida não podia durar.

O abade Sérapion muniu-se de uma picareta, de uma alavanca e de uma lanterna, e à meia noite nos dirigimos para o cemitério de ***, cujos jazigos e disposição ele conhecia perfeitamente. Depois de virar a luz da lanterna para as inscrições de vários túmulos, chegamos enfim a uma lápide meio escondida pelo mato e devorada por musgos e plantas parasitas, onde deciframos esse início de inscrição: Aqui jaz Clarimonde/Que foi em vida/A mais bela do mundo. "É aqui mesmo", disse Sérapion, e pondo no chão a lanterna enfiou a alavanca nointerstício da lápide e começou a levantá-la. A pedra cedeu, e ele pôs mãos à obra, com a picareta. Eu, mais negro e mais silencioso que a própria noite, o observava; quanto a ele, curvado sobre seu trabalho fúnebre, pingava de suor, ofegava, e sua respiração apressada lembrava um estertor de agonizante.

Era um estranho espetáculo, e quem nos visse de fora mais acharia que éramos profanadores e ladrões de mortalhas do que sacerdotes de Deus. O zelo de Sérapion tinha algo de duro e de selvagem que o fazia parecer um demônio, mais doque um apóstolo ou um anjo, e seu rosto de feições austeras e profundamente acentuadas pelo reflexo da lanterna não tinha nada de pacífico. Senti meus membros porejarem um suor glacial, e meus cabelos se arrepiavam dolorosamente na cabeça; no fundo de mim mesmo considerava a ação do severo Sérapion um sacrilégio abominável, e gostaria que do flanco das nuvens escuras que rolavam pesadas acima de nós saísse um triângulo de fogo que o reduzisse a pó. Os mochos empoleirados nos ciprestes, inquietados pelo brilho da lanterna, vinham fustigar o vidro com suas asas poeirentas, soltando gemidos queixosos; as raposas ganiam ao longe, e mil ruídos sinistros se soltavam do silêncio.

Finalmente a picareta de Sérapion bateu no caixão, cujas pranchas ressoaram comum ruído surdo e sonoro, com aquele barulho terrível que e mite o nada quando tocado; ele virou a tampa, e entrevi Clarimonde pálida como o mármore, as mãos postas; seu sudário branco formava uma só prega da cabeça aos pés. Uma gotinha vermelha brilhava como uma rosa no canto de sua boca descorada. Diante do que viu, Sérapion ficou furioso: "Ah!, estás aí, demônio, cortesã, impudica, bebedora de sangue e ouro!, e aspergiu de água benta o corpo e o caixão sobre o qual traçou com o próprio aspersório a forma de um crucifixo. Mal a pobre Clarimonde foi tocada pelo santo orvalho, seu belo corpo ruiu em pó; não foi mais que uma mistura horrivelmente disforme de cinzas e ossos semicarbonizados. "Aí está a sua amante, senhor Romuald", disse o padre, inexorável ao me mostrar aqueles tristes despojos; "ainda estará tentado a passear no Lido e na Fusine com sua beldade?" Baixei a cabeça; uma grande ruína acabava de se formar dentro de mim.

Retornei ao presbitério, e o senhor Romuald, amante de Clarimonde, separou-se do pobre sacerdote, a quem por tanto tempo fizera uma estranha companhia. Só que na noite seguinte vi Clarimonde; ela me disse, como na primeira vez sob o pórtico da igreja: "Ai de ti! Ai de ti! Que fizeste? Por que escutaste esse padre imbecil? Não eras feliz? E o que eu tinha te feito para violares meu pobre túmulo e desnudar os horrores do meu nada? Doravante está rompida qualquer comunicação entre nossas almas e nossos corpos. Adeus, terás saudades de mim." Dissipou-se no ar como fumaça e não tornei a vê-la.

Que pena! Ela falava a verdade: senti saudades dela mais de uma vez e ainda sinto. A paz de minha alma foi bem dispendiosamente comprada; o amor de Deus não era tão grande para substituir o dela. E essa, irmão, a história de minha juventude. Jamais olhe para uma mulher, e ande sempre com os olhos fitos na terra, pois, por mais casto e calmo que você seja, basta um minuto para fazê-lo perder a eternidade.


Breve comentário sobre o autor:

Théophile Gautier (1811 - 1872)

Poeta, novelista, jornalista, crítico de arte e de literatura francês nascido em Tarbes, no Hautes-Pyrénées Departement, precursor do parnasianismo francês e cuja grande produção literária incluiu peças de teatro, obras de crítica e história da arte, e, em parceria com Vernoy de Saint-Georges, foi o autor do roteiro do famoso balé Giselle.

Tornou-se famoso com sua novela Mademoiselle de Maupin em 1835. Foi contemporâneo de Flaubert, Sainte-Beuve e Baudelaire, sendo respeitado por estes.

Figura proeminente por cerca de 40 anos na vida artística e literária de Paris, produziu ainda obras fantásticas e notáveis, contos exóticos e de temas sobrenaturais, como La Mort Amoureuse (1836) e La Comédie de la Mort (1838). Entre seus escritos críticos se destacaram Histoire de l'Art Dramatique Depuis Vingt-Cinq Ans, 6 vols (1858-1859) e Rapport sur le Progrès des Lettres Depuis Vingt-Cinq Ans (1868). Outras publicações interessantes foram Le Roman de la Momie (1858) e Le Capitaine Fracasse (1863).


Fontes:

21 de fevereiro de 2010


Em sua nona edição o Tokyo Anime Awards torna-se, por que não dizer, a mais prestigiada premiação da indústria do anime no mundo.
Com uma grande banca de jurados para a escolha dos vencedores a premiação é realizada em conjunto com a Tokyo International Anime Fair, a maior feira sobre o assunto no dia 27 de março.

Os vencedores são:

Animação do Ano: Summer Wars

Melhor Anime para a TV: K-ON! e Higashi no Eden

Melhor OVA: Eve no Jikan

Melhor filme estrangeiro: Wall - E

Melhor filme animado: Summers Wars

Melhor diretor: Hosoda Mamoru (Summer Wars)

Melhor trabalho original: Hosoda Mamoru (Summer Wars)

Melhor roteiro: Okudera Satoko (Summer Wars)

Melhor direção de arte: Takeshige Yoji (Summer Wars)

Melhor character design: Sadamoto Yoshiyuki (Summer Wars)

Melhor dublador: Kamiya Hiroshi (Bakemonogatari)

Melhor música: Sagisu Shiro (Evangelion: 2.0 You Can (Not) Advance)

Melhor trabalho de estudante: "Fumiko no Kokuhaku (Youtube)" de Ishida Hiroyasu e "Gardien de Phare" de Rony Hotin

Grand Prix: Tokyo Fantasia

Prêmio de excelência: The TV Show, Dust Kid

Prêmio especial: Urz

Prêmio Tokyo MX: Shoe

Prêmio Tokyo Big Sight: Atomic World

obs.: a foto é do grande vencedor da premiação o anime "Summer Wars".

20 de fevereiro de 2010

Carmina Burana

Eu aprecio muito uma música, que eu sempre ouvia, mas não sabia o nome ou mesmo seu autor, quando descobri, e enfim pude apreciar, acabei por descobrir como sempre uma história maravihosa...


Cantiones profanæ cantoribus et choris
cantandæ comitantibus instrumentis atque imaginibus magicis
-
Canções seculares para solistas e coros, acompanhados por instrumentos de imagens mágicas.

Carl Orff




Em termos mais luxuosos, Carmina Burana é uma cantata cênica de poesias latinas medievais, que supostamente deveria ser ensenada e dançada, seus textos são em baixo altim e baixo alemão, que foram retirados originalmente de uma colocação de duzentas peças poéticas diversas compiladas no final do séc. XIII.
O termo Carmina é plural de Carmen (no português "Canção"), o título inteiro em uma tradução literal é: Canções dos Beurens, referindo-se ao lugar de onde os textos escolhidos (Codex latinus monacensis) para esta cantata foram descobertos em 1803 num velho mosteiro beneditino da Baviera, em Benediktbeuren, no sudoeste da Alemanha.
Em 1847, o erudito em dialetos da Baviera, Johann Andreas Schmeller, editou a coleção com o título de Carmina Burana. Mais tarde, Carl Orff, filho de uma antiga família de eruditos e militares de Munique, familiarizou-se muito jovem com o códice de poesia medieval.
A cantata é ilustrada por um símbolo da Antiguidade, a Roda da Fortuna, que eternamente girando, impondo a boa e a má sorte alternadamente, ou seja, um arquétipo da constante mudança que existe na vida humana.
Assim, a música é um apelo em coral à Deusa da Fortuna (O Fortuna, Velut Luna) que introduz e conclui a obra que divide-se em 3 seções: o encontro do HOMEM com a NATUREZA, está última desperta em esplendor na primavera (Veris eta facies). O encontro com os dons da NATUREZA, representado pelo dom do vinho (In taberna), e por fim o encontro com o AMOR (Amor volat undique).
Grande parte dos 200 poemas sacros e seculares remonta ao séc. XIII e foi escrita por um grupo de errantes profanos denominados Goliardos. Estes monges e menestréis "avessos" passavam o seu tempo se deliciando com os prazeres da carne e os poemas deixados aludiam suas obsessões, por vezes beirando a obscenidade.
Os manuscritos abrangem vários gêneros, de versos eruditos à paródias de textos sacros, canções de amor à melodias irreverentes e até mesmo grosseiras. Em sua essência, Carmina Burana exprime o mundo cristão entre os sécs. XI e XII foi capaz de exprimir. Uma época não inibida ou muito menos dividida pelos tabus atuais. Assim, os anônimos autores não temiam misturar de forma inesperada o litúrgico com o blasfemo.
Neste sentido, a coleção original exprime um mundo neutro, ou melhor um mundo equilibrado onde o Mal não existe sem o Bem, e a Fé não existe sem o Profano.
Este dualismo tão familiar a Orff, por meio de outras tradições como dos Carnavais e Triunfos que Lorenzo de Medicis e Rabelais ilustram, concebeu Carmina Burana como um primeiro elemento de uma trilogia intitulada Trionfi-Trittico Teatrale, que inclui Catulli Carmina (1943) e Trionfi dell'Afrodite (1952), uma obra que desvela o todo: só o Desejo e o Amor compelem ao Homem crer, lutar e viver.


Sobre Carl Orff...

Nascido em Munique, no dia 10 de julho de 1895, foi um compositor alemão, que se tornou um dos mais destacados do séx. XX, por sua cantata Carmina Burana.
Embora, a cantata seja seu maior sucesso outra grande contribuição foi na área da pedagogia musical, com o Método Orff de ensino musical, que se baseia no canto e na percussão.
Orff criou um centro de educação musical para crianças e leigos em 1925, no qual trabalhou até a data de sua morte em 29 de março de 1982, aos 86 anos.
A primeira apresentação de Carmina Burana foi na Ópera de Frankfurt em junho de 1937. Causou uma grande impressão no público (e continua a causar).
A trilogia de Carmina Burna é obra de coral exuberante alegria e forte apelo erótico, inicialmente destinada para representação como ópera, certamente ultrapassou as salas de concerto. Deliberadamente anti romântica, é original, baseada no ritmo, acompanhada por orquestra, que priveligiam a percussão e vários pianos.
O manuscrito original inclui poucas melodias anotadas que Carl Orff levou em consideração, mas não citou diretamente, ampliando apenas sua atmosfera por meio dos instrumentos de percussão, com poucos instrumentos de sopro, sem violinos. Isso remete a metologia de ensino de Orff e sua composição, um retorno ou apelo ao homem ancestral.






Links:


Libretto no original




Carmina Burana - Trans Siberian Orchestra

Spieluhr + intro (Carmina Burana)

Vênus - Theatre of Tragedy



Partitura

Carmina Burana Remix (?)




Para mais informações, clique.

18 de fevereiro de 2010

Grunge and Movie...


O diretor novato do drama indicado ao Oscar "O Mensageiro" está em negociações para retrabalhar o roteiro do projeto da Universal Pictures sobre Kurt Cobain, que ainda não tem título definido.

Oren Moverman também deve dirigir o filme sobre o falecido vocalista da banda grunge Nirvana. O roteirista David Benioff ("Entre Irmãos") assumiu o projeto primeiramente em 2007.

Os materiais sobre a vida, a música e o suicídio de Cobain, em 1994, virão pelo menos em parte da biografia escrita por Charles R. Cross em 2001, "Heavier Than Heaven: A Biography of Kurt Cobain". A Universal comprou originalmente o direito de filmar as vidas de Cobain e sua viúva, Courtney Love, que já tinha adquirido a opção sobre os direitos de filmar o livro de Cross.


Em 2005 o roteirista e diretor Gus Van Sant dirigiu o drama fictício de rock and roll "Últimos Dias", inspirado na trajetória final de Cobain, que era dependente de drogas. Benioff fez pesquisas em primeira mão com os velhos amigos de Cobain em Aberdeen e Seattle para fundamentar as versões inacabadas de seu roteiro para a Universal.

Oren Moverman e Alessandro Camon, que co-escreveu "O Mensageiro" com ele, foram indicados ao Oscar pelo roteiro original do filme. Woody Harrelson foi indicado pelo papel coadjuvante de soldado que transmite a notícia da morte de seus companheiros aos familiares destes.

Moverman também é co-autor dos roteiros de "Vida de Casado", "Jesus' Son" e "Não Estou Lá".


Retirado na íntegra de Yahoo! Notícias

17 de fevereiro de 2010

Claymore

Claymore (ou Kureimoa) é um anime que eu curti muito, e é uma adaptação do mangá escrito por Norihiro Yagi, feita pela Madhouse e exibida pela Nippon TV com 26 episódios de um enredo denso, sombrio e violento.
A história gira em torno da principal personagem Clare, uma Claymore de último nível em sua organização. As Claymores são mulheres metade humanas e metade youma, criadas pela organização para caçar youmas.
O ponto chave da história é que usando da força que eles querem destruir, ou seja, os youmas, as Claymores são suscestíveis a se tornarem um outro tipo de demônio, os Kakuseishas.
O anime é muito bom, com um traço bonito, e com uma história muito boa.



Abertura








Encerramento







Links dos Episódios



Episódio 1 - Claymore



Episódio 2 - A carta negra



Episódio 3 - Escuridão no paraíso



Episódio 4 - O despertar de Clare



Episódio 5 - Teresa do Sorriso Aparente



Episódio 6 - Teresa e Clare



Episódio 7 - Marcada para a morte



Episódio 8 - Despertar



Episódio 9 - As destruidoras (parte 1)



Episódio 10 - As destruidoras (parte 2)



Episódio 11 - As destruidoras (parte 3)



Episódio 12 - Lápides Intermináveis (parte 1)



Episódio 13 - Lápides Intermináveis (parte 2)



Episódio 14 - Pronta para lutar



Episódio 15 - A garganta da bruxa (parte 1)



Episódio 16 - A garganta da bruxa (parte 2)



Episódio 17 - A garganta da bruxa (parte 3)



Episódio 18 - A guerra do norte (parte 1)



Episódio 19 - A guerra do norte (parte 2)



Episódio 20 - A guerra do norte (parte 3)



Episódio 21 - A invasão de Pieta (parte 1)



Episódio 22 - A invasão de Pieta (parte 2)



Episódio 23 - Limite Crítico (parte 1)



Episódio 24 - Limite Crítico (parte 2)



Episódio 25 - Pelo bem de alguém



Episódio 26 - Aos Vitoriosos (final)


Links Interessantes:

Toque de Veludo


É um filme produzido pela BBC em 2002, baseado no romance homônimo de Sarah Waters, o filme é muito bom, reproduzindo cenários da época vitoriana, o glamour, a miséria, os vícios e os amores do séc. XIX. Ao mesmo tempo mostra os amores de Nan King.
O filme é impecável trazendo a tona a boemia londrina de 1890, com suas perversões e luxúria.

Um filme que vale muito assistir!!




Livro:

Toque de Veludo

Filme (Fonte Cinema Cultura):

Tipping the velvet

Bem Vindo a Produção!

Para quem gosta da série True Blood da HBO, a espera pela 3ª temporada está sendo um processo longo, ainda mais por que ela promete...


Neste espírito a HBO lançou um vídeo mostrando como seria uma fábrica de True Blood, a bebida que permite aos vampiros "bonzinhos" da série viver sem se alimentar de sangue humano. 

No final do vídeo vemos a  frase "We're Back in Production" uma alusão a retomada dos trabalhos para a produção da terceira temporada, que estreia no meio do ano. É esperar pra ver!!


1 de fevereiro de 2010



Na última sexta feira do mês de janeiro foi possível observar a Lua Cheia, e foi um espetáculo incrível, pois sua proximidade com a Terra a fez ficar simplesmente maravilhosa!
Quem nunca parou e ficou contemplando a Lua? Assim por nada!? Ficou olhando e sentiu que existe muito mais a ser visto? Quem nunca parou e fixou seu olhar e percebeu-se banhado por uma misteriosa força? 
Se você nunca sentiu, nem que por um ínfimo momento o mistério, um sentimento estranho de imensidão, ou mesmo de conexão com Universo, me mande um e-mail você não é normal! 



A Lua é um satélite natural da Terra, aliás o único, ficando a cerca de 384.405 km do nosso planeta.
Seu nome vem do latim "Luna", em grego "Sélene".

Apresenta fases, exibindo sempre a mesma face o que gerou especulações sobre "o lado escuro da Lua", que na verdade se ilumina quando estamos no período da "Lua Nova". O tempo gasto para a realização do movimento de rotação da Lua é o mesmo de translação, ou seja, 27 dias e 7 horas.
Não apresenta atmosfera, com a presença escassa de água no estado sólido (cristais de gelo). Como não existe a presença de uma atmosfera, a Lua também não apresenta erosão, ou seja, sua face mantém-se da mesma forma durante milhões de anos, sendo apenas afetada pela colisão de meteoritos.


Lado escuro da Lua




Lado claro da Lua


Influência grandemente as marés, fenômeno que pode ser simplificado como a tendência que os oceanos possuem em acompanharem o movimento orbital da Lua. Ela é, proporcionalmente o maior satélite natural do nosso Sistema Solar.
Sua origem é incerta, mas elementos em comum indicam que tanto a Terra quanto a Lua apresentam uma origem em comum, existindo mais de uma teoria sobre sua existência.

Em 2010 a primeira lua cheia é foi a maior e mais brilhante, a explicação para o fenômeno é a proximidade do satélite em relação à Terra. A Lua esteve 14% maior e 30% mais brilhante na noite de sexta feira.

A Lua é um dos corpos celestes mais conhecidos, graças às várias missões realizadas. No dia 20 de julho de 1969 Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar na Lua, imortalizando a seguinte frase:

"Este é um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade".

Existem divergências quanto à veracidade deste feito, e muitos acreditam que a ida a Lua não passa de uma fraude. (Clique para mais informações).






Sob o véu...


Como não poderia deixar de ser, a Lua sempre encantou o homem, que impressionado,influenciou uma série de mitos para explicar sua existência, aumentando consideravelmente o fascínio que ela exerce.


Mitologia Grega

Selene é a deusa grega (seu nome deriva do grego Selas, "Luz", "Claridade") que representava todas as fases da Lua. Filha dos titãs Hipérion e Téia, irmã de Hélio (Sol) e de Eos (Aurora).
Segundo lendas, os demais titãs acometidos pela inveja, lançaram o belo e feliz Hélio às águas do Erídano. Sua irmã, ao saber do triste destino do irmão se matou.
Téia, acometida pelo sofrimento, não acreditou que o filho estivesse morto, e pôr-se a procurá-lo sem descanso, nas águas negras do Erídano. Fatigada, adormeceu, e durante seu sono Hélio apareceu e pediu que não mais chorasse, pois ele e sua irmã Selene viviam juntos no Olimpo.
Ao acordar Téia viu seus filhos iluminando o sofrimento e a alegria de todos os mortais.
Assim, Selene acompanha a noite, Eos anuncia a chegada de Hélio que acompanha o dia.

Outra lenda fala que a deusa se apaixonou por um mortal, Edimion, com quem teve 50 filhos.
Edimion era humano, e por isso mortal, suscetível ao envelhecimento e a morte. Assim, Selene pediu a Zeus para que o tornasse imortal e eternamente jovem, e ele o fez, mas sob a condição de que seu amado dormiria eternamente.
Desta forma, a deusa o visitava todas as noites para se unir com ele.

Os gregos não possuíam um culto desenvolvido da Lua, quando o comparamos com outras culturas, mas existem indícios de um culto no Peloponeso após o período clássico. A deusa, segundo as histórias, não permanecia no Olimpo como os demais deuses e sim no céu onde fazia sua jornada, mas antes se banhava no mar. Possuia, nas crendices populares, considerável relação com o nascimento, falecimento, crescimento e fertilidade.
Na mitologia grega Artémis representava a Lua Nova, simbolizando o nascimento; Selene a Lua Cheia, e simbolizaria a magia; e Hécate o quarto minguante e crescente, simbolizando a magia, a bruxaria e a morte. Com o tempo, e dependendo da região estas deusas se tornaram uma só, sendo adaptadas por outras culturas como a romana.

Os romanos a identificavam como Diana (Deusa da Caça), e em sua forma primitiva era adorada como uma vaca com os "Chifres da Consagração", em forma de lua crescente.
É celebrada no dia 7 de fevereiro, sendo frequentemente associada à Hécate por sua influência na magia.


Mitologia Filipina

Os filipinos acreditavam que a Lua era um pente crescente de prata e as estrelas eram colares de diamantes.
Certa vez, uma comunidade que vivia em meio a um campo de arroz, onde a agricultura trazia sempre muita abundância para a comunidade havia uma bela jovem que se preocupava unicamente em cultivar sua beleza, se importando principalmente com seu longo cabelo negro. Nunca deixando que nada que não fosse o melhor o tocasse, escovando regularmente com um pente de prata na forma de um crescente. Revestindo seu cabelo de jóias e diamantes.
Um dia trabalhando, ela martelava grãos de milho e palay (hastes de arroz) em um pilão, sua mãe observou o colar de pedrarias em sua cabeça, do pente de prata furado em seu cabelo. Então ela lhe disse que coloca-se tudo de lado para poder trabalhar. Assim ela pendurou suas jóias no céu, e com pressa de terminar seu trabalho martelou os grãos muito fortemente, levantando o pilão. Com sua força ela também acertou o céu que foi mais alto ainda, levando consigo seus pentes e jóias, que se transformaram na lua e nas estrelas.



Mitologia Nórdica


Na Mitologia Nórdica Mani é o Deus da lua, irmão gêmeo da Deusa Sigel, por serem irmãos gêmeos são muito comparados com Ártemis e Apolo (deuses do sol e da lua da mitologia grega) que também são gêmeos.
Filho dos gigantes Mundilfari e Glaur, assim como sua irmã Sigel, Mani é constantemente perseguido por um lobo sangrento chamado Hati que o persegue durante a noite com o objetivo de matá-lo e libertar seu pai Fenrir.
De acordo com a profecia durante o Ragnarok Hati alcançará Mani, o matará e o devorará criando um eclipse junto com seu irmão Skoll, assim libertando seu pai Fenrir que está aprisionado pela corrente Gleipnir.




Encontrei outra versão, mas com a divindade Nanna (ou Sin), originalmente era a divindade suméria da Lua (associado à Lua Nova), protegendo a produção e a fertilidade dos campos, bem como o gado. Era representado por símbolos lunares (como o crescente sobre a cabeça). Era, sobretudo cultuado em Ur. Preferi colocar as duas informações, por não ter absoluta certeza de ambas.

A Lua era representada pela Deusa Nanna, que era casada com o deus Baldur (Sol). Tendo com ele um filho, Forseti, Deus da Justiça e Verdade.
Embora sejam os Deuses do Sol e da Lua, eles não eram o Sol e a Lua. Estes últimos eram os dois irmãos Arrak (lua) e Asvid (sol) que foram tirados de Midgard por Odin pela beleza e colocados em carruagens que rodam os céus perseguidos pelos lobos Skoll e Hati até o dia do Ragnarok quando então serão devorados.
Nanna morreu de sofrimento no enterro de Baldur, e foram colocados juntos, em um barco para um enterro viking. Existem lendas que Nanna retornará juntamente com Baldur após o Ragnarok.





Mitologia Egípcia

A Lua era representada pelo Deus Khonsu, filho de Amon e da Deusa Mut, é visto de duas maneiras diferentes. Na primeira ele se assemelha a Rá (representado por um falcão), mas diferentemente de Rá, Deus solar, Khonsu traz uma simbologia lunar, na cabeça traz o disco lunar. Em uma segunda representação ele se assemelha ao Deus Osíris, porém com uma trança egípcia infantil e com o símbolo lunar na cabeça, ao contrário da coroa com plumas de Osíris.
Khonsu também é Deus do conhecimento, sendo representado jogando Senet (um jogo de tabuleiro) com o Deus Toth.
Outro Deus lunar da mitologia egípcia é: Aah (representado por um homem barbado usando um disco e o crescente lunar na cabeça). A Deusa Bastet ficou associada a Lua, após o domínio grego no Egito, quando estes a associaram Ártemis.
Os ciclos da Lua também representam a luta entre os Deuses Seth e Hórus, ou seja, princípios de bem e mal, ordem e caos, luz e trevas.
O Eclipse Lunar representava então, o roubo do Olho Lunar de Hórus por seu tio Seth. Então Thoth, Deus da sabedoria, procura e encontra na escuridão o Olho, e o coloca no firmamento para voltar a refletir a luz solar.


Mitologia Asteca

A Lua ou Xochiquetzal (seu nome significa "flor preciosa) é companheira do Sol, protetora dos amantes, família e nascimento.
Sua morada está localizada em Tamoanchan (uma montanha), depósito das águas universais da vida em que o homem deposita os zoospermas. Lugar parasidíaco, adornado de flores, de fluentes rios azuis e onde cresce a xochitlikakan, a árvore maravilhosa que basta os apaixonados descansarem debaixo dela ou tocarem seus galhos e flores para que sejam eternamente felizes. É também a padroeira do dia 21 do calendário asteca.

Foi mulher do Deus Tlaloc, Deus da chuva, mas acabou sendo raptada por Tezcatlipoca que a levou aos nove céus. Permanecia um determinado tempo sobre a Terra, mas depois retornava ao seu lugar de origem.

Seu templo estava dentro do templo Maior de Tenochtitlan. Embora pequeno, reluzia entre bordados, plumas, pedras preciosas e adornos de ouro. Xochiquetzal tinha o poder de perdoar. A seu templo iam as mulheres grávidas, depois de tomar um banho lustral, para confessar seus pecados, pedir seu perdão e ajuda.

Em sua homenagem são celebradas grandes festas, nas quais se ofereciam flores, especialmente calêndulas. Teve vários nomes incluindo Ixquina e Tlaelquani. Vivia no alto da montanha dos nove céus.

Xochiquetzal era chamada pelas mulheres astecas como "A Senhora com saia de penas azuis" ou "A Mãe das flores" e era venerada com oferendas de pequenas figuras de barro.


Mitologia Maia

A Lua era chamada de Ixchel, sendo temida, pois controlava as tempestades e mares. Era também protetora das mulheres em trabalho de parto.
A "Senhora do Arco-íris" se chamava Ixchel, uma velha Deusa da Lua e da Serpente na mitologia maia. Os maias habitaram o sul do México e Guatemala. Viveram em torno de 250 d. C. e associavam os eventos humanos com as fases da Lua. Seu marido é o caritativo Deus da Lua, Itzamna.
O símbolo desta Deusa é o vaso emborcado do infortúnio. Sobre sua cabeça repousa uma serpente mortífera, suas mãos e pés têm garras afiadas de animais e seus traje é adornado com as cruzes feitas de ossos, emblema da morte.




Mitologia Celta

Era representado por Arianrhod que simbolizava os poderes divinatórios. Outra representação é Ceridwen, Deusa da Lua Nova, também representando os poderes divinatórios, além das ervas, feitiços e a morte.
A Lua Nova para o celtas, representava o início de um ciclo. Representa a donzela, a inocência, a potencialidade.
A Lua Cheia simboliza a fertilidade, a abundância e a clarividência por ser considerada a fase madura da Lua. Muito feminina e poderosa, ajuda as sementes a germinar.
O Quarto Minguante é considerado como a altura ideal para se adiar ou abandonar coisas, associado à magia negra.


Mitologia Indígena Brasileira

Jacyé a Deusa-Lua, a poderosa Mãe da Noite e Senhora dos Deuses. Tem duas formas: Jacy Omunhã (Lua Nova) e Jacy Icaua (Lua Cheia).
Uma lenda que mostra Jacy como entidade masculina:

"Há muitos anos, nas margens do majestoso Rio Amazonas, Naia, uma jovem e bela índia ficava a admirar e contemplar por longas horas a beleza da lua branca e o mistério das estrelas. Enquanto o aroma da noite tropical enfeitava aqueles sonhos, a lua deitava uma luz intensa nas águas, fazendo Naia subir numa árvore alta para tentar tocar a lua. Ela não obteve êxito. No próximo dia, ela decidiu subir as montanhas distantes para sentir com suas mãos a maciez aveludada do rosto da lua, mas novamente ela falhou. Quando chegou lá, a lua estava tão alta que retornou à aldeia desapontada. Ela acreditava que a Lua era um bonito guerreiro - Jaci, e sonhava em ser a noiva desse bravo guerreiro. Na noite seguinte, Naia deixou a aldeia esperando realizar seu sonho. Ela tomou o caminho do rio para encontrar a lua nas negras águas. Refletida no espelho das águas, lá estava a Lua, imensa, resplandescente. Naia, em sua inocência, pensou que a lua tinha vindo se banhar no rio e permitir que fosse tocada. Ela mergulhou nas profundezas das águas desaparecendo para sempre. A lua, sentindo pena daquela tão jovem vida agora perdida, transformou Naia em uma flor gigante - a Vitória Régia - com um inebriante perfume e pétalas que se abrem nas águas para receber em toda sua superfície, a luz da lua."

Outros deuses lunares: Uanana (Deusa-Lua andrógina dos tucanos), Urutau (Pássaro feérico amazônica considerado a Mãe da Lua)



Mitologia Japonesa


Na crença japonesa a Lua é representada por Tsukiyomi ou Tsukuyomi, irmão da Deusa Solar Amaterasu e de Susanoo.
Ele é a segunda das "Três Nobres Crianças" nascidas quando Izanagi, o Deus que criou a primeira terr, Onogoro-Shima, estava se purificando, enquanto se banhava após ter escapado do mundo subterrâneo e das correntes de sua enraivecida esposa Izanami. Tsukuyomi nasceu quando Izanagi lavou seu olho direito, dando origem a Deus Lunar.
Em uma versão alternativa, Tsukuyomi nasce de um espelho de cobre branco na mão direita de Izanagi.
Tsukuyomi vive em Takamagahara, com sua irmã Amaterasu, após ter subido a escada celestial.
Tsukuyomi também é conhecido por Tsukuyomi-no-kami.

obs.: a foto é de Amaterasu


Lua Negra

Lilith, em astrologia, é um corpo celeste que transita numa órbita invisível para a astronomia oficial. Os cabalistas hebreus denominam este astro misterioso de Lilith, a Lua Negra.
Embora, oficialmente não haja comprovações de sua existência, os astrônomos Riccioli, Cassini e Alischer confirmaram sua existência. Para os pitagóricos chamaram-no de Vulcano, elevando-o como um segundo satélite da Terra; alguns ocultistas chamam de Antiterra, um planeta análogo a Terra que descreveria uma elipse em sentido contrário ao terreno.

Para o tarot, Lilith está associada à carta da Lua e sua face obscura, que simbolizam o inconsciente, as ilusões, às práticas de magia e sortilégios.
Para os teósofos a Lua precede a Terra, sendo mais velha. Na evolução do cosmo, que segue uma hierarquia, a Lua seria mãe da Terra. Os "Deuses Lunares", ou "Pitris" (entre os indianos), são ancestrais da raça humana.
Um globo que morre transfere sua energia para outro que nasce, assim na cadeia planetária teosófica, a Lua tornou-se um planeta morto, em que sua rotação praticamente cessou. A Lua é o satélite da Terra, mas isso não quer dizer que ela não nos tenha dado tudo, exceto seu cadáver.

"A Lua é hoje frio resíduo, a sombra arrastada pelo corpo novo para o qual se fez a transfusão de seus poderes e princípios de vida. Está agora condenada a seguir a Terra durante longos evos, atraindo-a e sendo por ela atraída. Incessantemente vampirizada por sua filha, vinga-se impregnando-a com a influência nefasta, invisível e venenosa que emana do lado oculto de sua natureza. Pois é um Corpo morto, e no entanto vive. As partículas de seu cadáver em decomposição estão cheias de vida ativa e destruidora, embora o corpo que elas anteriormente formavam esteja sem alma e sem vida. (...) Como os fantasmas e vampiros, a Lua é amiga dos feiticeiros e inimiga dos imprudentes." (BLAVATSKY. 2000, p 200)."


Animais de simbologia lunar



Dragão - Apesar de inicialmente ligado a eclipses lunares e solares, os dragões estão associados à Lua. Essa noção de dragões e eclipses era comum na china, no norte da Ásia, na Finlândia, na Lituânia, no norte da África, na Pérsia. As lendas dizem que os dragões geralmente voam à luz do luar.


Boi - Na Grécia e em Roma, esse era considerado um animal lunar.

Cão - Cães vêm há muito tempo sendo associados a deidades lunares, especialmente deusas da Lua Crescente. Entre os nórdicos havia a história de Managarmr (cão lunar), o mais poderoso de todos os cabinos sobrenaturais. Cães de caça e matilhas de cães, como Alani de Diana, representavam as energias perigosas da Lua. Hécate sempre vagava pela noite com uma matilha de cães negros.


Cobra - Um símbolo da Deusa, é o mesmo que espiral quando enrolada. Por vezes cada volta da espiral marca um dia no calendário lunar. Linhas em ziguezague representam cobras. Serpentes eram associadas à Lua Nova por serem considera - das relacionadas ao submundo. Algumas Deusas da lua nova eram retratadas como tendo cabelos de serpentes. Há gravuras mostrando Cibele oferecendo uma taça a uma cobra. Na mitologia mexicana, existem lendas da mulher serpente (Lua) que é devorada pelo Sol, numa descrição de um eclipse ou das fases da lua.

Coruja - A coruja rapinante noturno, com seus grandes olhos, há muito é associada à Lua. Para os egípcios a coruja era um símbolo de morte, noite e frio. Para os gregos, entretanto, era um símbolo de sabedoria e da deusa Atena. Seus olhos vidrados a ligavam às deusas dos olhos, Lilith, Minerva, Blodeuwedd, Anat e Mari, entre outras. A coruja sempre foi associada à lua, à sabedoria, aos mistérios sagrados lunares e às iniciações.


Gato - Especialmente para os egípcios, essa era uma criatura lunar. O gato é sagrado as deusas Ísis, Bast, Ártemis, Diana, Freya e outras. Quando Diana passou a ser conhecida como Rainha das Bruxas durante a Idade Média, o gato passou a ser associados à bruxaria, ou ao culto da Deusa.

Lebre ou Coelho - Muitas culturas ao redor do mundo, incluindo o Tibet, a China, África, Ceilão e algumas tribos nativas americanas, diziam que a lebre vivia na Lua com as deidades lunares. Especialmente associada às deusas lunares.


Lobo - Muitos deuses e deusas, ligados à Lua, tinham também como símbolo o lobo. O lobo uiva para a Lua, assim como os cães; eles caçam e brincam ao luar. As sacerdotisas da Lua de muitas culturas eram adeptas de viagens astrais e transmutações, talentos normalmente praticados à noite. Também celebravam rituais, dançando e cantando a céu aberto, sob a Lua. Um festival romano, a Lupercália, honrava a deusa - loba Lupa ou Ferônia. Os nórdicos acreditavam que o lobo gigante Hati perseguia a lua e nos dias finais comeria esse corpo celeste.

Morcego - Criatura constantemente associada à Lua e à escuridão. Na China, sorte e felicidade; na Europa, criatura companheira da deusa Hel. Os cristãos tornaram - no mau e demoníaco numa tentativa de dissociar as pessoas da deusa.

Peixe - Em algumas culturas, a Lua era simbolizada por um peixe em vez de uma cobra. Algumas deusas lunares possuíam caudas de peixes, semelhante a sereias.

Porca - A porca branca tem sido associada a deidades lunares desde as terras celtas até o Mediterrâneo. Ligada a Astare, Cerridewn, Deméter, Freya, a Marici Budista.

Rã - Algumas culturas viam uma rã, em vez de lebre, na lua. Em algumas partes da Ásia, da África e da América do Norte, a rã era um símbolo da Lua e da fertilidade.

Sapo - Símbolo lunar muito comum; por vezes chamado de rã. No Egito, Hekat, a deusa - sapo, estava ligada aos nascimentos.

Touro - Inicialmente esse era um símbolo lunar da Grande Mãe, com os chifres representando a Lua Crescente. Posteriormente, quando passou a representar deuses solares, ainda estava constantemente ligado a uma deusa lunar como Cibele e Attis.

Vaca - Símbolo feminino tanto da Terra como da Lua. Deusas egípcias contadas tanto à Lua com a vaca eram Ísis, Hathor e Neith, entre outras.


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Fontes: