Ah como a visão é bela!
Que a criança não vê mais
Olha no Espelho e não se vê
Bate no Relógio e não ouve
Que ela perdeu seus dedos!
Ah que é bela a melodia
Que as aranhas tecem e fiam
Em seus cabelos envelhecidos
As feras uivam à porta
Os pássaros batem nas janelas
E ela pede a mim perdão
A mim! Eis que ela já morreu
E ah pois eu me retorço em risos
Ao ouvir suas unhas quebrarem
Nas teclas amarelas do mecanismo
Que um dia à sua frente cantou
E ah que eu me delicio em vícios
De vê-la rabiscar o papel
Com a mão trêmula de um velho
E com a embotada luz da escuridão
A criança relê ainda! Uma vez mais
E então retorna a página
E retorna o verso e a estrofe
Ah que ela perdeu a doce metáfora!
Não, não me acuses de assassino
Sou a platéia que o poeta desejou
Sou os aplausos que o pianista implorou
Eu sou a dúvida impressa no silêncio dos olhares
Pois enquanto ela dançava, e ria
E sonhava Inércias, Ausências e Jardins
Eu jazia inquieto na minha poltrona dura
Vendo um péssimo teatro de quinta!
Ah, o fim sempre cobra seu preço!
Pois enquanto eu em bocejos assistia
Ela engasgou com o vinho de mil risos
Ela tropeçou na cratera de cinco elogios
E eu, que não sou tolo, ah não sou
Subi ao palco e meu tom acendi
Sem pedir a luz, tomei meu lugar
Pois este palco merece alguém digno
Agora inerte, nem mais enxerga, a criancinha!
É pena, pois apreciaria seu olhar
Enquanto ergo meus dedos nas teclas
E um presto brilhante rasga o silêncio
Ali, no canto, ficou o corpo fraco
Da alma nobre que me acolheu
No teatro de uma única cadeira
Eu clamo apenas à noite, ao escuro
Paz, um fim, eis que ela já morreu
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Escrito no Jardim, em 12/11/2009.
Ouvindo Adagio Sustenuto da Sonata ao Luar,
L. van Beethoven
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