Conheci Manuel Bandeira através do Nino, sim aquele simpático aprendiz de feiticeiro, sobrinho do Dr. Vitor e da Bruxa Morgana. O que me chamou a atenção é a sonoridade, como se ele criasse vida, e a cena se desvela a sua frente:
Trem de Ferro
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isso maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)
Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora, vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, mais conhecido como Manuel Bandeira nasceu em Recife no dia 19 de abril de 1886, tendo-se mudado em 1890 para o Rio de Janeiro e depois para Santos-SP, voltando novamente para o Rio de Janeiro.
Cursou em 1896 o Externato do Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II), em Pernambuco. Em 1903, a família se muda novamente para São Paulo e ele cursa a Escola Politécnica com intuito de se tornar arquiteto. Trabalha ainda nos escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana, da qual seu pai era funcionário.
No ano de 1904 descobre-se acometido de tuberculose e abandona tudo, voltando ao Rio de Janeiro em busca de um clima melhor, nesta busca passa várias temporadas em diversas cidades: Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê, Quixeramobim.
Participa 1910 de um concurso de poesia promovido pela Academia Brasileira de Letras, mas não conseguiu sucesso. Foi nesta epóca que entra em contato com as rimas toantes de Charles de Guérin, empregando-as em "Carnaval".
Em 1919, sob influência de Apollinaire, Charles Cros e Mac-Fionna Leod, escreve seus primeiros versos livres.
Durante tratamento no Sanatório de Clavadel, na Suíça, no ano de 1913, onde entra em contato com Paul Eugène Grindel e Gala.
Com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, em 1914, volta para o Brasil em outubro. Neste período entra em contato através da leitura com Goethe, Lenau e Heine.
Em 1916 falece sua mãe, e já no ano seguinte ele publica "A cinza das horas", edição de 200 exemplares custeada pelo autor.
A morte de sua irmã, que o ajudará em sua doença ocorre em 1918. No ano seguinte Bandeira publica seu segundo livro "Carnaval", em edição custeada pelo autor. Este livro desperta entusiasmo nos iniciadores do modernismo.
Em 1920 morre seu pai, e o poeta se muda de sua antiga rua para a Rua Curvelo, 53 (hoje Dias de Barros), tornando-se vizinho de Ribeiro Couto. Numa reunião na casa de Ronald de Carvalho, em Copacabana, no ano seguinte a morte de seu pai, conhece Mário de Andrade, na ocasião também estavam presentes Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda e Osvaldo Orico.
Embora não tenha participado da Semana de Arte Moderna, Ronald de Carvalho lê o poema "Os Sapos", de "Carnaval". Após este momento torna-se ativo escritor, crítico e tradutor.
Em 1940 é eleito para a Academia Brasileira de Letras, na vaga de Luís Guimarães Filho, tomando posse em 30 de novembro. Publica "Poesias Completas", com a inclusão da "Lira dos Cinquent'Anos", custeado pelo autor. Publica também "Noções de História das Literaturas" e, em separata da "Revista do Brasil, A Autoria das Cartas Chilenas".
Manuel Bandeira continua ativo em seu ofício, sempre recebendo homenagens. Em 1966, aos 80 anos, a Editora José Olympio realiza em sua sede uma festa e lança os volumes "Estrela da Vida Inteira (poesias completas e traduções de poesia) e "Andorinha Andorinha" (seleção de textos em prosa, organizada por Carlos Drummond de Andrade). Neste perído, adquiri sua casa em Teresópolis, a única propriedade que teve ao longo de sua vida.
Seus problemas de saúde, Manuel Bandeira deixa seu apartamento da Avenida Beira-Mar e se transfere para o apartamento da Rua Aires Saldanha, em Copacabana, de propriedade de Maria de Lourdes Heitor Souza, sua companheira nos últimos anos.
No dia 13 de outubro de 1968, Manuel Bandeira morreu, sendo sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista.
OBRA:
Poesia:
- A Cinza das Horas - Jornal do Comércio - Rio de Janeiro, 1917 (Edição do Autor);
- Carnaval - Rio de janeiro,1919 (Edição do Autor);
- Poesias (acrescida de O Ritmo Dissoluto) - Rio de Janeiro, 1924;
- Libertinagem - Rio de Janeiro, 1930 (Edição do Autor);
- Estrela da Manhã - Rio de Janeiro, 1936 (Edição do Autor);
- Poesias Escolhidas - Rio de Janeiro, 1937;
- Poesias Completas (acrescida de Lira dos cinqüent'anos) - Rio de Janeiro, 1940 (Edição do Autor);
- Poemas Traduzidos - Rio de Janeiro, 1945;
- Mafuá do Malungo - Barcelona, 1948 (Editor João Cabral de Melo Neto);
- Poesias Completas (com Belo Belo) - Rio de Janeiro, 1948;
- Opus 10 - Niterói - 1952;
- 50 Poemas Escolhidos pelo Autor - Rio de Janeiro, 1955;
- Poesias completas (acrescidas de Opus 10) - Rio de Janeiro, 1955;
- Poesia e prosa completa (acrescida de Estrela da Tarde), Rio de Janeiro, 1958;
- Alumbramentos - Rio de Janeiro, 1960;
- Estrela da Tarde - Rio de Janeiro, 1960;
- Estrela a vida inteira, Rio de Janeiro, 1966 (edição em homenagem aos 80 anos do poeta);
- Manuel Bandeira - 50 poemas escolhidos pelo autor - Rio de Janeiro, 2006.
Prosa:
- Crônicas da Província do Brasil - Rio de Janeiro, 1936;
- Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro, 1938;
- Noções de História das Literaturas - Rio de Janeiro, 1940;
- Autoria das Cartas Chilenas - Rio de Janeiro, 1940;
- Apresentação da Poesia Brasileira - Rio de Janeiro, 1946;
- Literatura Hispano-Americana - Rio de Janeiro, 1949;
- Gonçalves Dias, Biografia - Rio de Janeiro, 1952;
- Itinerário de Pasárgada - Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 1954;
- De Poetas e de Poesia - Rio de Janeiro, 1954;
- A Flauta de Papel - Rio de Janeiro, 1957;
- Itinerário de Pasárgada - Livraria São José - Rio de Janeiro, 1957;
- Prosa - Rio de Janeiro, 1958;
- Andorinha, Andorinha - José Olympio - Rio de Janeiro, 1966;
- Itinerário de Pasárgada - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1966 ;
- Colóquio Unilateralmente Sentimental - Editora Record - RJ, 1968;
- Seleta de Prosa - Nova Fronteira - RJ;
- Berimbau e Outros Poemas - Nova Fronteira - RJ
Antologias:
- Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, N. Fronteira, RJ
- Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana - N. Fronteira, RJ
- Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna - Vol. 1, N. Fronteira, RJ
- Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna - Vol. 2, N. Fronteira, RJ
- Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, N. Fronteira, RJ
- Antologia dos Poetas Brasileiros - Poesia Simbolista, N. Fronteira, RJ
- Antologia Poética - Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1961
- Poesia do Brasil - Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1963
- Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas - Editora do Autor, RJ, 1966
- Manuel Bandeira - Poesia Completa e Prosa, Ed. Nova Aguilar, RJ
- Antologia Poética (nova edição), Editora N. Fronteira, 2001
Em conjunto:
- Quadrante 1 - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962
(com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira
de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga)
- Quadrante 2 - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963
(com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira
de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga)
- Quatro Vozes - Editora Record - Rio de Janeiro, 1998
(com Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz e Cecília
Meireles)
- Elenco de Cronistas Modernos - Ed. José Olympio - RJ
(com Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga
- O Melhor da Poesia Brasileira 1 - Ed. José Olympio - Rio de Janeiro
(com Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto)
- Os Melhores Poemas de Manuel Bandeira (seleção de Francisco de
A. Barbosa) - Editora Global - Rio de Janeiro)
Seleção e Organização:
- Sonetos Completos e Poemas Escolhidos de Antero de Quental
- Obras Poéticas de Gonçalves Dias, 1944
- Rimas de José Albano, 1948
- Cartas a Manuel Bandeira, de Mário de Andrade, 1958.
Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Fonte: Releituras
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