4 de julho de 2010

Insônia

Vê! Lá vai o mesmo
A sombra, a fraca névoa
Mal se sustenta, mal enxerga
Não dorme, não anda, não come

Passam-se os anos
Passam os olhares
Passam os braços, abraços
E mais um,  e mais outro
E nada fica

Ouve, como ele é silente!
É quase pelo vento levado
Já nem os olhos ergue
Já nem os gritos escuta
Não, ele preferiu o silêncio
Ele fingiu não sentir dor

Em mais outro leito
O corpo retorce
Grita com as paredes
Em outro gigante leito
A fantástica tragédia continua

Olha, dá pra ouvir a arritmia!
Quase parando, caindo, se afogando
Mas ele não sente?
Nem agora, ele sente?
Talvez... já parou, e ele anda

Um novo pesadelo, nós temos
Oh sim, chega de quinquilharias
Pra quê chaves ou mesmo orquídeas
Quando ao dormir, nós temos
Um perfume que não é nosso?

As mãos param, os pés param
Ainda o chão ele olha
Como pôde, como pôde, como pôde
Suicidar-se com a mesma faca
Atirar-se no mesmo abismo
Beber do mesmo veneno
Como pôde ele enfim
Despertar o maldito sonhador?

Mas é claro, nós perdemos
Nosso lar, nossos ouvintes
Pois, agora, os lobos são cúmplices
Os pássaros, juízes
E nossa Terra, enfim
Nos recebe como a um traidor

Num beco deita, e espera
Vê, que aquele mesmo se engana
Uma última vez, por teimosia,
A respeito de sua falsa vida
Falsos ombros, falsas vozes
Ainda espera, mas dorme
Não o sono profundo dos que se foram
Mas a insônia convulsa dos que ficaram.


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Escrito no Jardim, em 06/06/2010, às 03:20h.
Ouvindo Sonata ao Luar, Adagio Sustenuto,
de L. van Beethoven.

Imagem por Victoria Francés.

Sobre mais um salto no escuro.
"The world is full of lovers
We don't need anymore"

Um comentário:

  1. "E nada fica"... é, às vezes passam-se tantas coisas, e elas parecem fragmentos de algo imaginário, tantos braços e abraços vagos num caminhar sombrio, até que algo fique.

    Obrigada pelo comentário tão gentil, fico lisonjeada!

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